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quarta-feira, 1 de julho de 2020

O PIB mundial, os deuses e outras variáveis

O PIB mundial, os deuses e outras variáveis (11/05/2015)

    


A. Enquadramento

O título do post em apreço anuncia que o Produto Interno Bruto (PIB) decorre de diversas variáveis exógenas, sendo uma delas a religiosidade. Pese embora a equação de regressão inscrita na parte derradeira deste texto não integre qualquer variável de índole sagrada, a perspetiva divina foi utilizada para efeitos da descrição estatística das demais variáveis explicativas. A utilização teve como intuito aferir a relação entre essa perspetiva e as diferentes dimensões férteis que influenciam bastante o PIB, nomeadamente a democracia e a competitividade.

Acrescente-se que o modelo registado na subsecção E.2. não congraça com (qualquer uma das 11) variáveis de natureza religiosa porque, estando a população mundial distribuída na íntegra pelos vários cultos, a exclusão dalguns deles – exclusão norteada, como se elucidará, pelo critério objetivo da robustez dos parâmetros estimados – faria com que uma porção populacional não estivesse expressa no modelo, procedimento que seria incorreto. Para ultrapassar este problema, durante a incursão ao reduto do PIB usaram-se somente as variáveis independentes remanescentes, que abarcam o universo da população de todos os países considerados na abordagem econométrica final.

B. O PIB e os deuses

B.1. Descrição estatística

Se Deus é ou não omnipresente, unicamente a fé individual consegue responder. Antes de entrar na análise da ligação entre a riqueza anual dos cidadãos e a sua devoção, comece-se por segmentar a população mundial por género de crença. Os dados recolhidos quanto às estimativas da distribuição da população por religião resultaram da conjugação de três fontes. Uma, para identificar a quantidade de cristãos, muçulmanos, hindus, budistas, judeus, crentes de religiões populares, seguidores de restantes doutrinas, e ateus ou agnósticos; outra, para quantificar, no seio dos cristãos, os católicos, os protestantes e os ortodoxos; e mais uma, para distinguir, porventura a esmo, entre os muçulmanos, os sunitas dos xiitas. Por tratar-se de aproximações, as estimativas finais transportarão alguma margem de erro.

Para além dessa segmentação, no quadro 1 identificam-se as principais zonas onde se praticam as devoções. A informação discriminada acerca dos cinco maiores países incluída no quadro permite em grande parte explicar as diferenças de rendimentos médios per capita associados às crenças divinas. Tal sucede porque a discriminação abarca aproximadamente 66% da população terráquea – média ponderada calculada com base nas duas primeiras linhas (quota-parte afeta a cada tipo de religião e peso dos primeiros cinco maiores países).


Quadro 1

O quadro 2 permite comparar o peso de cada tendência religiosa em termos da população terrestre com o correspondente peso associado ao PIB planetário. Apresenta-se igualmente o valor (em dólares norte-americanos e a preços de 2013) do PIB per capita, outrossim por sentimento de fé. Do quadro pode depreender-se prima facie que o judaísmo é a doutrina que mais propende para a riqueza, enquanto o hinduísmo situa-se nos antípodas. Em média, o peso do PIB afeto aos judeus é 4,18 vezes superior ao peso da população ligada ao culto judaico, ao passo que o peso do PIB adstrito aos hindus representa tão-só 17% do peso da população associada à devoção hindu.


Quadro 2


Retomando a parte final do penúltimo parágrafo, e comparando os quadros 1 e 2, facilmente se compreende os motivos para tamanha discrepância entre o judaísmo e o hinduísmo. Dos cinco maiores territórios com judeus fazem parte Israel e os E.U.A. – que entre si reúnem 84% da população judaica –, e ainda o Canadá, a França e o Reino Unido, portanto países cujas posições no ranking mundial do PIB per capita – reporte a 2013 – situavam-se entre a 11.ª (E.U.A.) e a 27.ª (Israel). Ao invés, dos cinco maiores países com hindus há, para além da Índia – que domina, com 94% do total da população hindu –, o Nepal, o Bangladesh, a Indonésia e o Paquistão que, no conjunto dos 191 territórios com informação sobre aquele ranking, ocupavam posições assaz modestas, entre a 120.ª (Indonésia) e a 171.ª (Nepal).

B.2. Abordagem econométrica

É arriscado afirmar perentoriamente que existem apegos a Deus mais ou menos predestinados para a geração de riqueza material. Não obstante, para cada uma das 11 dimensões sagradas – excluem-se os grupos dos cristãos e dos muçulmanos, por aglutinarem cinco dimensões autónomas –, é bastante diversificada a correlação entre o logaritmo neperiano do PIB per capita (ln PIBpc) e a forma como o Homem comunica com Deus: vai desde -0,25 no caso dos sunitas, até 0,42 no dos ateus ou agnósticos. Perante esta amplitude, dispensa-se por conseguinte a explicitação dos demais nove coeficientes de correlação.

Cumpre acrescentar que a conexão entre o ln PIBpc e a fé (ou melhor: as 11 variáveis de cariz religioso) tem fraca robustez (coeficiente de determinação de 0,31) – vide célula (A.1) do quadro 6 da subsecção E.1. Adiante-se todavia que, conforme consta desse quadro, o valor F de significância – nível de significância usado para aferir o erro de rejeitar indevidamente o cenário de ausência de regressão – é ínfimo, e os p-values associados aos parâmetros estimados para as variáveis de proveniência divina – valores que dão a conhecer o nível de confiança (1 – p-value) para não aceitar a hipótese de parâmetros nulos – também são negligenciáveis. Daí concluir-se com segurança, através dos elementos disponíveis, não ser de refutar a possibilidade de as variáveis independentes respeitantes ao culto justificarem uma parte (31%) das diferenças do ln PIBpc.

C. O PIB e a democracia

C.1. Descrição estatística

O quadro 3 apresenta a distribuição da população e do PIB mundiais, em função da devoção religiosa e do nível democrático. Para tal utilizou-se a tipologia criada por The Economist. Este jornal insuspeito avalia os estádios de desenvolvimento democrático dos países – apoiando-se em cinco categorias, a saber: processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política, e cultura política –, classificando os Estados em democracias plenas, democracias imperfeitas, regimes híbridos ou regimes autoritários, consoante o índice de democracia (calculado pelo citado jornal) pertença aos intervalos (80, 100], (60, 80], (40, 60] ou [0, 40], respetivamente.


Quadro 3

As percentagens das duas últimas colunas do quadro 3 diferem em termos infinitesimais das registadas nas penúltima e antepenúltima do quadro 2 por o universo não ser exatamente o mesmo. Dos 191 territórios subjacentes à secção precedente – análise estrita da religião –, apenas se conseguiu obter dados referentes à qualidade democrática em 162 casos – representativos de 99,3% da população e 99,5% do PIB mundiais.

Pelo quadro anterior percebe-se que, entre a população mundial que vive em democracias plenas (12%), 35% é protestante, 28% é descrente e 24% é católica. Da população mundial que habita em democracias imperfeitas (37%), 38% adota o hinduísmo (da qual 94% é indiana), 24% o catolicismo e 16% o sunismo. Entre a população que reside em regimes híbridos (13%), 52% é sunita, 15% é católica e 12% é protestante. Por fim, da população embutida em regimes autoritários (38%), 30% descrê de Deus (da qual 62% é chinesa), 20% adota o sunismo e 14% segue religiões populares.

Se se fizer uma leitura do quadro não por coluna – por transparência democrática – mas antes por linha – por fé divina –, evidenciam-se algumas constatações. O entrosamento dos cristãos com a democracia é altamente divergente: 56% dos católicos residem em democracias imperfeitas e 18% em democracias plenas – e 13% em regimes autoritários –; 34% dos protestantes provêm de democracias plenas e 27% de democracias imperfeitas – também 27% de regimes autoritários –; e 66% dos ortodoxos habitam em regimes autoritários – 60% desses cristãos estão instalados em dois Estados com portas viradas para tais regimes (Rússia e Etiópia).

A afeição dos muçulmanos à democracia não é tão divergente, conquanto substancialmente pior, confirmando assim a suspeita fundada em observações empíricas. Somente 1% quer dos sunitas quer dos xiitas vivem em democracias plenas, residindo 30% dos sunitas e 15% dos xiitas em territórios com democracias imperfeitas. Quase 2/5 (38%) dos sunitas e acima de metade (55%) dos xiitas habitam em países com regimes autoritários. Para as sobrantes seis segmentações, a informação do quadro 1, no que toca à identificação dos cinco maiores países por prática religiosa, permite justificar significativamente a convivência entre o mundo sagrado e a realidade democrática.

As cinco colunas de rácios (entre o peso no PIB e o peso na população) inscritos no quadro 4 obtiveram-se mediante os elementos do quadro antecedente. Ademais, o quadro seguinte inclui o valor do índice de democracia para cada tipo de culto. Salienta-se a amplitude máxima de 3,35 subjacente à segunda coluna – «Democracia imperfeita» –, proveniente da circunstância de o maior rácio (3,5) depender maioritariamente de Israel e o menor (0,15) estar associado sobretudo à Índia, ambos os países com democracias imperfeitas na terminologia instituída por The Economist.


Quadro 4


C.2. Abordagem econométrica

Com base nas duas últimas colunas do quadro 4, conclui-se que, para os 11 conjuntos que têm sido tratados, os rácios entre as percentagens no PIB e na população mundiais estão positivamente unidos (0,57) com os índices de democracia. Aplicando similar comparação (entre tais rácios e índices) não em termos dos grupos de devoções mas sim no respeitante aos 162 territórios individualmente considerados, há uma leve descida da correlação (para 0,51).

O índice de democracia responderá per se 33% das variações do ln PIBpc e, juntamente com a variável artificial (ou dicotómica) afeta à condição de os países pertencerem – valor 1 – ou não – valor 0 – à OCDE ou à União Europeia, justificará 45% das mesmas – células (A.2) e (A.3) do quadro 6. O aumento do coeficiente de determinação decorrente da introdução da variável relativa à OCDE ou à União Europeia deve-se ao facto de, entre as 25 democracias classificadas de plenas por The Economist, 21 integrarem a OCDE (das quais 12 são Estados-membros da União Europeia), e uma (Malta, concretamente) integrar a União Europeia mas não a OCDE – as restantes são Costa Rica, Maurícia e Uruguai. Entre os 13 Estados da OCDE não qualificados como democracias plenas, uma dúzia são democracias imperfeitas – nove pertencentes à União Europeia, uma delas a democracia portuguesa –, correspondendo o 13.º ao regime híbrido vigente na Turquia.

Testou-se seguidamente a regressão entre o índice de democracia e as 11 variáveis de cariz divino. Como os valores F de significância e os p-value atestam, o índice de democracia é condicionado pela (des)confiança nos deuses – coeficiente de determinação de 0,5, como se observa na célula (B.1) do sobredito quadro 6. De acordo com os coeficientes de correlação entre cada uma das variáveis sagradas, por um lado, e o índice de democracia, por outro, ressaltam alguns resultados estatísticos: encontram-se positivamente ligadas à democracia as percentagens de populações ateias ou agnósticas (0,41), católica (0,31) e protestante (0,29), enquanto as doutrinas mais negativamente influenciadas revelaram ser as populações seguidoras do sunismo (-0,49), do xiismo (-0,35) e das religiões populares (-0,21).

D. O PIB e a competitividade

D.1. Descrição estatística

À semelhança do efetuado anteriormente – em que se apresentou, por segmentação religiosa, os rácios entre os pesos no PIB e na população mundiais –, do quadro 5 constará análoga comparação, desta vez substituindo o PIB pela competitividade. O quadro inclui igualmente o índice de competitividade, bem como o número de feriados anuais.

Para efeitos da competitividade, aproveitaram-se os índices mensurados pelo Fórum Económico Mundial e, no tocante ao número de feriados, usou-se a informação divulgada através do sítio qppsudio.net, não tendo, no que a tal número se refere, o levantamento sido restringido aos feriados nacionais. Para mensurar os feriados, empregaram-se diferentes ponderações em função da sua natureza; por exemplo, aos feriados aplicáveis só à função pública ou ao setor bancário adotaram-se, segundo esta ordem, os pesos de 0,4 ou 0,25.

Para a abordagem econométrica descrita em D.2, utilizou-se ainda a variável do saldo comercial respeitante aos produtos petrolíferos (em percentagem do PIB de cada país), cujos dados foram obtidos com base na informação extraída do sítio atlas.media.mit.edu. Ante os elementos disponíveis, esse saldo traduzirá um superavit de 7,6% do PIB afeto às populações xiitas e um défice de 5% do PIB associado às populações hindus.


Quadro 5


A penúltima coluna do quadro 5 difere ligeiramente da registada em quadros precedentes porque o universo é diferente. Com efeito, os 162 territórios mencionados em C.1 – que por seu turno haviam sido 191 antes da introdução do índice de democracia – decresceram para 141 com a adição do índice de competitividade. Com o decréscimo, ficaram representados 94,7% da população e 98,5% do PIB mundiais.

A segunda coluna do quadro, relativa à percentagem da competitividade mundial por tipo de devoção, não evidencia diferenças assinaláveis face à percentagem do PIB mundial constante de quadros anteriores. Está em linha com a conclusão (referente à forte articulação entre a competitividade e o PIB) extraída do post «Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento», publicado em duas partes, em 29 de agosto e 2 de setembro de 2014.

A primeira coluna reflete, para além da média ponderada do índice de competitividade – competitividade em sentido estrito – em função do peso de cada conjunto religioso, a (maior ou menor) dispersão da competitividade entre os países que compõem tais conjuntos. O judaísmo denota uma maior competitividade em virtude de os cinco principais países com população judaica – que captam 91% do número total de judeus (vide quadro 1) – ocuparem, no ranking dos 141 territórios analisados, posições deveras apreciáveis, entre a 6.ª (E.U.A.) e a 27.ª (Israel).

O grupo das populações sem crenças religiosas era o segundo mais competitivo, sendo a China – 29.º lugar no ranking mundial da competitividade – responsável por 62% da explicação, conforme citado na parte final do terceiro parágrafo de C.1. Nos antípodas da competitividade estavam as doutrinas sunita, xiita e ortodoxa. Quanto a esta última, tal como já realçado a propósito do PIB per capita, 60% do modesto registo em matéria de competitividade deve-se à Rússia e à Etiópia – 61.ª e 119.ª posições no ranking.

Outra variável usada no âmbito da competitividade em sentido lato – ou seja, não exclusivamente o índice de competitividade – passa pelo número de feriados. Como se abordará na próxima subsecção, existe um ligeiríssimo efeito negativo entre a cadência de feriados e a produção de riqueza. As situações extremas fixam-se ao judaísmo e ao xiismo, com 13 e 22 feriados por ano. A nível mundial, a média ponderada da frequência de feriados ronda os 16.

D.2. Abordagem econométrica

Neste exercício – por oposição ao realizado aquando da elaboração do post bifásico atrás identificado, publicado em agosto e setembro do ano transato –, entre o ln PIBpc e o índice de competitividade a correlação mantém-se em 0,84, pelo que cerca de 70% das variações desse logaritmo prender-se-ão com a competitividade, o alfa e o ómega da riqueza das nações ou, para os irredutíveis céticos quanto à divina transcendência, a sacrossanta variável – célula (A.5) do quadro 6. Com a introdução das variáveis referentes ao saldo petrolífero e ao número de feriados, a aderência do modelo beneficia dum aumento subtil, para aproximadamente 76% – célula (A.8).

Retomando o último parágrafo da subsecção anterior, estima-se que a variável respeitante ao número de feriados afetará muito tenuemente o PIB e a competitividade. Através dos dados existentes, observa-se uma correlação frágil de -0,18 e impercetível de -0,08 entre tal número e, pela respetiva ordem, o ln PIBpc e o índice de competitividade. Relativamente ao saldo petrolífero, trata-se duma variável que influenciará um pouco as diferenças do ln PIBpc – coeficiente de correlação de 0,25.

Atendendo aos elementos disponíveis, a religiosidade justificará 32% das variações da competitividade – célula (C.1). A regressão entre o índice de democracia e o índice de competitividade é de 30% – células (C.2) e (B.5). Se ao sagrado e ao índice de democracia se acrescentar a variável artificial – integração na OCDE ou na União Europeia –, a regressão estabelecida entre essas variáveis e o índice de competitividade aumenta para 0,53 – célula (C.4).

E. O PIB e a interação das variáveis explicativas

E.1. Cenários analisados

O quadro seguinte – que por diversas ocasiões foi mencionado, nas subsecções B.2, C.2 e D.2 – sintetiza os resultados no que toca aos coeficientes de determinação, aos valores F de significância e aos p-value alusivos aos cenários analisados. Reconheça-se que alguns destes têm, em termos práticos, duvidosa validade, especialmente certos cenários em que a variável endógena consiste no índice da democracia, visto que para o senso comum é mais lógico que a democracia seja uma variável explicativa do que uma variável dependente.


Quadro 6


Como se constata, os 20 modelos testados apresentam uma indiscutível robustez, porquanto o valor F de significância de todos é praticamente nulo. Contudo, desses modelos destacam-se dois principais constrangimentos: os casos em que, apesar de os p-values serem confortavelmente reduzidos, os coeficientes de determinação são algo exíguos – células (A.1), (A.2), (A.3), (B.1), (B.5), (B.6), (B.7), (B.8), (C.1), (C.2) e (C.3) –; e as situações em que os p-values são elevados (acima de 0,05), sejam os coeficientes de determinação suficientemente elevados – células (A.9) e (A.10) – ou não – células (A.4), (B.9) e (C.4).

As células (A.5), (A.6), (A.7) e (A.8) traduzem os únicos modelos em que se conjugam coeficientes de determinação relativamente elevados com p-values imateriais. Resumem-se a regressões que envolvem a competitividade em sentido amplo – leia-se: o índice de competitividade, o saldo petrolífero e o número de feriados. O modelo mais completo, o que integra as 16 variáveis, ainda que disponha dum coeficiente de determinação de 0,83, contém seis p-values acima de 0,05 – a saber: 0,208, referente ao número de feriados, e 0,09, 0,067, 0,056, 0,055 e 0,054, associados a variáveis religiosas –, nível de significância máximo entendido como aceitável para aferir a qualidade dos parâmetros estimados pelo método dos mínimos quadrados.

E.2. Modelo final

Há assim que aferir o modelo (A.10) de modo a apurar, em simultâneo, um coeficiente de determinação forte, um valor F de significância baixo e todos os p-values reduzidos, para assegurar a robustez quer do modelo, quer dos parâmetros associados às variáveis exógenas. Logo, tomando como ponto de partida os 141 países para os quais há dados atinentes às 16 variáveis usadas para justificar o ln PIBpc, houve que, em primeiro lugar, testar a indesejável existência de multicolinearidade (ou inexistência de independência) entre as variáveis explicativas.

À primeira vista, a avaliação das correlações indiciava afastar a hipótese de multicolinearidade. Na verdade, os correspondentes coeficientes de correlação não excedem 0,68 e 0,58 – obtidos entre a variável artificial (de integração na OCDE ou na União Europeia) e, respetivamente, o índice de democracia e o índice de competitividade. Excluindo a citada variável artificial, o maior coeficiente de correlação (0,54) ocorre entre os índices de democracia e de competitividade.

Não obstante, sob a perspetiva dos VIF (variance inflation factor), foi preciso excluir uma variável – a variável religiosa respeitante à população sunita de cada país, por o VIF atingir o valor de 38, portanto inequivocamente elevado para recusar a ausência de independência com as variáveis explicativas remanescentes. De facto, apesar de os coeficientes de correlação serem inferiores a 0,7, seria expectável a presença de multicolinearidade, como o segundo parágrafo do post poderia antever. (Note-se que, se noutras ocasiões ao longo deste post, mercê dos resultados das análises efetuadas, foi possível inferir dalgum modo quanto à maior ou menor importância duma qualquer variável sagrada face às congéneres, na situação em causa tal inferência não tem validade estatística.)

Refez-se então o modelo com as 15 variáveis sobrantes. Os novos VIF daí decorrentes foram inferiores a 5 – valor aceitável como o limite crítico acima do qual não se deve rejeitar a hipótese de multicolinearidade. Porém, sob o critério de rejeição das variáveis com p-value superior a 0,05, concluiu-se a suspeita empírica evocada no início deste post, sobre a necessidade de retirar as variáveis divinas. A supressão destas variáveis visando salvaguardar a robustez de todos os parâmetros das variáveis exógenas fez com que o coeficiente de determinação aumentasse de 0,83 – célula (A.10) já anunciada – para 0,86.

Após essa exclusão, e visto ter sido confirmada a hipótese de os resíduos seguirem uma distribuição normal com média nula e variância constante, foram ainda extraídos cinco outliers – Argentina, Líbano, Malawi, Ruanda e Venezuela –, para os quais os resíduos-padrão excediam, em módulo, 1,96 desvios-padrões dos resíduos (implícitos a um intervalo de confiança bicaudal de 95%). Com o afastamento dos mencionados outliers, houve um aumento negligenciável da regressão (que passou de 0,859 para 0,864).

Encontra-se abaixo reproduzido o modelo final, mais parco em variáveis – redução de 16 para cinco –, e em que CoDePeFe e dOU representam, por essa ordem de apresentação, o índice de competitividade (0-100), o índice de democracia (0-100), o saldo dos produtos petrolíferos (em percentagem do PIB do país), o número de feriados anuais, e a integração (ou não) – variável dicotómica – na OCDE ou na União Europeia. Os parâmetros estimados afetos às cinco variáveis estão associados a p-values não superiores a 0,007.



F. Notas finais

Se bem que a abordagem explicitada neste post, referente à fundamentação das diferenças dos PIB per capita entre os países, possa afigurar-se de redutora – desde logo por a realidade de cada país revestir um caráter monolítico –, é indesmentível a consistência dos resultados tanto com a teoria económica como com o exame econométrico. A robustez dos resultados não assenta em variáveis espúrias nem fantasiadas. Bem pelo contrário. Dimana de redolentes e cintilantes variáveis que o senso comum facilmente compreende e valida, em especial a competitividade e a democracia, porventura as imperecíveis arquivariáveis da criação de valor, ainda que anónimas e desmascaradas.

As outras divindades, as enraizadas nos interesses imolados do tempo, funcionam frequentemente como meros placebos da ineficiência e da iniquidade. Não se trata dum incentivo à iconoclastia ou a semelhante afronta às crenças religiosas; antes uma reflexão sobre a virtude do humanismo. Pode ser que no futuro a força dos deuses se altere – exclusivamente em nome do Homem.


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segunda-feira, 29 de junho de 2020

Competitividade ou dívida pública?

Competitividade ou dívida pública? (19/09/2014)



A. O seu a seu dono


O post (repartido em dois: 2Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento nasceu da análise do relatório de 2013 referente à competitividade – The Global Competitiveness Report 2013-2014 –, produzido pelo Fórum Económico Mundial (FEM). Posteriormente foi publicado o correspondente relatório de 2014 – The Global Competitiveness Report 2014-2015 –, que coloca Portugal 15 lugares acima do que acontecera no ano transato, passando da 51.ª para a 36.ª posição no ranking internacional.

Independentemente dos óculos que cada pessoa coloque para ajuizar a evolução, convém realçar que os investidores estrangeiros absorvem a informação dos relatórios do FEM antes de tomarem as suas decisões de aplicação do capital. Por os relatórios sobre a competitividade serem uma espécie de bíblia para os investidores, a subida no ranking é deveras vantajosa para o nosso País. Se, ao invés, ocorresse uma descida, seguramente que jorraria um coro de vozes amargas. De qualquer modo, examine-se sucintamente a variação dos resultados, pois apesar de não haver fumo sem fogo, nem tudo o que luz é ouro.

O relatório contempla 144 territórios – anteriormente 148 –, tendo havido a entrada do Tajiquistão e a saída de cinco estados: Benim, Bósnia e Herzegovina, Brunei, Equador e Libéria. Em termos de PIB per capita a situação portuguesa no ranking mundial não se alterou. Formalmente até melhorou um lugar (ficando no 38.º); contudo se o Brunei – país com reduzida população e vastos recursos naturais (essencialmente o petróleo, responsável por mais de metade da riqueza nacional e pela quase totalidade das suas exportações) – constasse do relatório, Portugal teria permanecido no 39.º posto, igual ao do ano passado. Ademais, dado que em 2012 o índice de competitividade global do Brunei superava bastante o nosso – 26.ª posição –, seria praticamente certo que a sua inclusão no recente relatório do FEM fizesse com que Portugal ascendesse 14 lugares em vez de 15.

A qualidade estatística da relação entre o índice de competitividade e o PIB per capita (em base logarítmica) diminuiu um pouco, tendo o coeficiente de determinação baixado de 0,704 para 0,673. Os três principais outliers continuam a ser o Ruanda, a Venezuela e Angola. Usaram-se os mesmos 114 indicadores – distribuídos por 12 pilares – e mantiveram- se os critérios para efeitos da determinação do nível de competitividade. Visto que 70% dos itens são qualitativos – cuja avaliação resulta do inquérito de opinião dirigido aos gestores executivos –, seria expectável que a elevação no ranking se devesse sobretudo à melhor avaliação qualitativa atribuída pelos gestores. A expectativa confirmou-se, como se passa a explicar.

B. Explicação para o aumento da competitividade


Comparando a colocação de Portugal em 2013 (no conjunto de 148 economias) com a existente em 2014 (no universo de 144), resulta que em 37 (dos 80) indicadores qualitativos denotou-se um aumento significativo – entendendo-se este como uma ascensão de pelo menos 10 lugares. Nos outros 43 itens houve a deterioração dos rankings – no máximo até três posições – em quatro deles e a manutenção também em quatro, pelo que para os restantes 35 indicadores verificou-se uma melhoria (ainda que não tanto expressiva) de 2013 para 2014 – logo, 72 subidas em 80 possíveis. A conclusão é bem diferente quanto às 34 métricas quantitativas. Das 33 comparáveis – exclui-se a inflação, conforme justificação apresentada no parágrafo seguinte –, o balanço cifra-se em sete permanências, 13 decréscimos no ranking – nenhum deles relevante – e igualmente 13 acréscimos – dos quais três são materiais.

O critério estabelecido pelo FEM para a ordenação referente à taxa de inflação é no mínimo questionável, já que Portugal passou estranhamente do primeiro para o 59º lugar, quando a taxa anual de variação de preços era de 2,8% em 2012 e de somente 0,4% em 2013. Tal prende-se com o facto de o Fórum conceder a notação máxima às economias cuja inflação se situou entre 0,5% e 2,9%; e de, fora deste intervalo, considerar indistintamente a amplitude do desfasamento em relação aos limites inferior e superior. Isso significa que a Irlanda e o Peru, que registavam, respetivamente, 0,5% e 2,8% de inflação, fizessem parte dos 55 países que encabeçavam o ranking; e que Camboja, com 3%, ficasse na 58ª posição, enquanto Portugal, com apenas 0,4%, se quedasse pelo modesto 59º lugar.

Os acréscimos materiais aludidos na parte final do penúltimo parágrafo residem no número de procedimentos requeridos para iniciar um negócio, nos custos (expressos em número de semanas de salário) com os empregados redundantes, e no peso das exportações face ao PIB. O primeiro reflete a redução da burocracia, o segundo resulta da reforma da lei laboral em matéria de indemnizações por despedimento, e o terceiro espelha o esforço reforçado que os portugueses têm atribuído ao crescimento do mercado externo para colocar os seus serviços (especialmente o turismo) e produtos. Aliás, o bem-vindo aumento das exportações e o massivo êxodo emigratório têm constituído as sacramentais tábuas de salvação que vêm atenuando os efeitos da severa crise económica que o País continua a atravessar – observação aparentemente sarcástica (no tocante à emigração) mas não intencional.

Por conseguinte, o hegemónico incremento de competitividade captado pelos itens qualitativos não tem tradução nas métricas quantitativas. De facto, no que toca exclusivamente à competitividade de Portugal, separando as suas componentes qualitativa e quantitativa, por um lado, e considerando que os indicadores têm igual peso – i.e., ignorando o critério assumido pelo FEM referente à ponderação adotada em função do estádio de desenvolvimento das economias constantes do relatório –, por outro, conclui se que, de 2013 para 2014, a competitividade medida apenas pelos itens qualitativos cresceu 10 lugares no ranking mundial, ao passo que a média simples das métricas quantitativas não sofreu alteração. O sentido e a materialidade desta conclusão subsistem mesmo sabendo que o universo das economias incluídas nos dois relatórios é diferente. Depreende-se portanto que as melhorias assinaláveis registadas nas três áreas atrás indicadas – desburocratização do Estado, flexibilização da lei laboral e fomento das exportações – terão provocado uma vaga de contágio positivo na apreciação dos indicadores qualitativos por parte dos gestores executivos.

No que concerne aos pilares, o País manteve sensivelmente a sua posição nas áreas respeitantes ao aproveitamento dos benefícios tecnológicos, à dimensão do mercado (interno e externo) e à preocupação com a inovação. Apesar de ter havido aumentos visíveis em oito áreas – entre eles, dois são relevantes, em concreto a acessibilidade ao mercado e o mercado laboral (fruto, respetivamente, dos dois primeiros acréscimos significativos já explicitados) –, o quadro macroeconómico continua a ser o alfa e o ómega da nossa vincada fragilidade.

C. Efeito da dívida pública


No âmbito macroeconómico, Portugal viu beneficiada ligeiramente a sua qualidade creditícia – tanto mais que tem conseguido suportar, com sacrifício mas sem descontinuidade, o crescente fardo do serviço da dívida, ou seja, os juros pagos com a dívida pública contraída. Não obstante, foi prejudicado pelo agravamento de quase seis pontos percentuais no peso da dívida pública, de 123% do PIB para 128,8% – dados extraídos do relatório do FEM.

Em 2013, no conjunto das 144 economias, só 10 registavam volumes de dívida pública que excediam os respetivos PIB – cinco estados-membro da União Europeia (Chipre, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal), Butão, Estados Unidos, Japão, Líbano e Singapura. Quatro países estavam piores que o nosso nesse aspeto: Itália (132,5%), Líbano (139,7%), Grécia (173,8%) e Japão (243,2%). Note-se que os japoneses alcançaram uma relação desproporcionada não por devaneios aurívoros dos decisores públicos mas sobretudo pelo imperativo esforço de reconstrução após a devastação causada pelo tsunami que assolou o Japão em março de 2011. Antes de tamanha catástrofe natural a dívida pública nipónica era inferior a 140% do PIB – ainda assim (visivelmente) muito elevada, na perspetiva duma economia adolescente como a nossa.

A dívida do Estado é um sério constrangimento para a competitividade de Portugal e seca as oportunidades para as novas gerações, razão pela qual deve ser rapidamente debelada. Tarda a hora da profunda e sincera reflexão nacional sobre este galopante problema económico e social que consiste na dívida pública. O ritmo do galope permitirá que no final do ano em curso a dívida fique pouco aquém de 135% do PIB – sem exclusão da hipótese de continuação do aumento, atendendo ao impacto causado pelos flibusteiros financeiros da nossa praça. Reabra-se a polémica nascida com o malfadado documento Zerar para ressuscitar e criar oportunidades sustentáveis. O gráfico seguinte ilustra o efeito prejudicial que a dívida impõe ao processo de geração de riqueza, sendo possível constatar a forte correlação negativa – concretamente -0,76 para os últimos 18 anos – entre o peso da dívida e o crescimento real do PIB.

Recorde-se que em 2004 – quando a dívida portuguesa representava cerca de 60% do PIB, cumprindo portanto uma das regras de ouro referentes aos critérios de convergência definidos no Tratado de Maastricht, de 1992 –, o País ocupou a melhor posição de sempre no ranking da competitividade: o 24.º lugar. Para quem argumente que o peso exagerado da dívida pública não é impeditivo da competitividade, convém ter presente que tal argumento tem validade tão-só em economias dinâmicas, concorrenciais e resilientes, detentoras de níveis de produtividade esculpidos em limites superiores, cenário que infelizmente não se enquadra com a realidade portuguesa, onde as enrugadas imperfeições de mercado são sobejamente conhecidas. Entre a dezena de países com dívida excessiva identificada no penúltimo parágrafo, constata-se que os Estados Unidos, a Itália e o Japão – que pertencem ao Grupo dos Sete – , Singapura – um dos Tigres Asiáticos – e mesmo a Irlanda são casos luminares bem diferentes dos demais, em geral, e da espécie lusitana, em especial.

Imagine-se o que seria a competitividade nacional e a consequente criação de emprego se a dívida pública caísse para níveis próximos dos de há uma década e existisse uma renegociação séria e equilibrada dos contratos das parcerias público-privadas – traga-se à colação o post PPP lusitanas – Das permanentes fantasias à efetiva solução. Provavelmente posicionar-nos-íamos entre as 15-20 economias mais competitivas de todo o Mundo. É esta a façanha que devemos almejar. Comece-se a cortar na dívida para ganharmos em competitividade, em produtividade e no tão desejado emprego, fruto donde provêm o desenvolvimento sustentável e o futuro dos países e das populações.

domingo, 28 de junho de 2020

Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento (parte II/II)

Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento (parte II/II) (02/09/2014)


Principais fatores problemáticos para a atividade empresarial


13. Do inquérito anual de opinião indicado no ponto 7 solicitava-se também aos vários gestores executivos de cada país que escolhessem e ordenassem os cinco principais fatores que, na sua opinião, constituíam obstáculos à realização de negócios, entre uma lista prévia de 16. Antevia-se que alguns pudessem estar correlacionados, designadamente o nível tributário e a lei fiscal, bem como a instabilidade política e as turbulência governamental e possibilidade de existência de golpes de Estado. As respostas confirmaram a antevisão; os correspondentes coeficientes de correlação foram de 0,623 e 0,565 para o conjunto dos 148 territórios inclusos no relatório.

14. Para os 41 estados da OCDE ou da União Europeia, os cinco maiores obstáculos – que reuniram 61% das respostas – foram a burocracia (14,2%), o acesso ao financiamento (13,5%), o nível tributário (11,9%), a rigidez das leis laborais (11,5%) e a lei fiscal (9,6%). Para as restantes 107 economias, esses mesmos cinco obstáculos recolheram 41% das respostas e, entre os cinco principais obstáculos selecionados – 53% das respostas –, o que mereceu maior atenção foi o acesso ao financiamento (13,4%), portanto praticamente igual à percentagem identificada para a média dos 41 estados atrás apresentados. Foram ainda invocadas a corrupção (12,4%), a burocracia (11,3%), a insuficiência das infraestruturas (8,4%) e a desadequação da mão de obra (7,1%). O nível tributário recolheu só 5,8% das respostas, menos 6,1 p.p. do que no grupo de nações da OCDE ou da União Europeia, enquanto neste grupo a corrupção apenas mereceu a atenção de 4,8% das respostas, i.e., menos 7,6 p.p. face às restantes economias.

15. Apesar de o conjunto das 107 economias ser bastante diversificado – em termos de competitividade o abismo vai do Chade a Singapura, e de PIBpc do Malawi ao Qatar –, somente 11 delas tinham simultaneamente maior competitividade e maior PIBpc do que Portugal. Nove países eram mais competitivos embora possuíssem menos PIBpc. Não havia qualquer caso em que o PIBpc era superior ao português mas a sua competitividade era inferior. Isso significa que 87 economias – 81% de 107 – registavam valores mais baixos do que Portugal em competitividade ou em PIBpc, razão pela qual se decidiu tratar de forma agregada os territórios não pertencentes à OCDE ou à União Europeia.

16. Em Portugal os cinco fatores mais problemáticos concentraram 78% das respostas. Para os gestores portugueses as algemas e os grilhões mais possantes residem nitidamente no acesso ao financiamento (22,3%) – 8,8 p.p. acima da média dos 41 estados da OCDE ou da União Europeia. Os outros quatro obstáculos reclamados que tornam a realização de negócios mais periclitante foram a burocracia (15,8%), o nível tributário (15,6%), a instabilidade política (12,9%) – mais 6,9 p.p. comparativamente à média dos mencionados 41 estados – e a lei fiscal (11,2%). Acrescente se que a insuficiência das infraestruturas foi tão-só nomeada em 0,3% das respostas, ao passo que para a média dos países da OCDE ou da União Europeia o nível de respostas foi de 5,1%.


Competitividade de Portugal


17. No universo das 148 economias o País detinha a 39ª e a 51ª melhores posições no ranking do PIBpc e no da competitividade, respetivamente – percentis 74 e 66. No segundo pilar da competitividade – infraestruturas – ocupava o percentil 85. Em termos de saúde, educação e formação dos empregados – quarto e quinto pilares –, e de capacidades de leitura tecnológica e de inovação – nono e décimo segundo pilares –, os percentis fixavam-se entre 80 e 82. Contrariamente, os piores percentis situavam-se nos pilares 3, 7 e 8, ou seja, referentes ao ambiente macroeconómico, ao mercado de trabalho e ao mercado financeiro – percentis 16, 15 e 23. Cumpre por conseguinte debruçar um pouco sobre estes três pilares.

18. Apesar de Portugal ser um dos países com o melhor ranking em relação à inflação (por a moeda corrente ser o Euro), a fraca competitividade macroeconómica deve-se essencialmente ao défice orçamental e – sexta posição mais desfavorável entre os 148 territórios – ao peso da dívida pública, na medida em que a Nação vê-se bastante limitada em prestar serviços estatais eficazes e em reagir perante crises que afetam a atividade empresarial. Ademais, a qualidade creditícia e a taxa bruta de poupança nacionais são indicadores que deixam o País mal comparado com os demais. Trata-se de indicadores objetivos, por serem quantitativos. Foi o principal pilar responsável para que Portugal tenha descido, entre 2011 e 2013, do percentil 68 para o 66 no índice de competitividade global. É um dos quatro pilares que compõem o subíndice dos requisitos básicos, aliás o subíndice mais relevante – na óptica do FEM – para os países com níveis de desenvolvimento inferiores, por ser o mais valorizado (60%) para a determinação do índice de competitividade, como foi salientado no ponto 9.

19. Portugal também se destaca claramente pela negativa em dois pilares: os últimos dois enunciados no ponto 17. Acerca do mercado de trabalho, o País registava a 15ª pior posição no tocante aos custos (expressos em número de semanas de salário) com os empregados redundantes – indicador quantitativo. A Dinamarca – que era a 15ª economia mais competitiva entre as 148 – possuía o primeiro lugar neste item dos custos de redundância. Os restantes quatro indicadores avançados pelos gestores – do ranking 139 (i.e., 10ª posição mais modesta) ao 111 – eram: o efeito dos incentivos fiscais ao emprego; as práticas de contratação e de despedimento; a relação entre os salários e a produtividade; e a capacidade nacional para manter os talentos, ligada sobremaneira à fraca cultura nacional da meritocracia.

20. Relativamente ao pilar do mercado financeiro, do ranking 121 ao 118 encontravam-se os indicadores referentes à facilidade de acesso ao crédito, à solidez dos bancos e ao índice de direitos legais. Este índice advém de informação quantitativa e mede a eficácia das leis de garantias e falências no tocante à proteção dos direitos dos mutuantes e dos mutuários, e por isso é uma proxy importante sobre o grau de facilidade na concessão de empréstimos. Deve-se atender a esta concessão numa ampla aceção, no sentido de incluir não apenas o financiamento das ações operacionais mas também o financiamento das atividades de investigação e desenvolvimento.

21. A Nação guardava ainda uma posição desfavorável (face ao seu índice compósito ou global) no pilar 6, o da acessibilidade eficiente ao mercado – percentil 51. Os indicadores claramente piores eram o efeito dos incentivos fiscais ao investimento e os custos da política agrícola – rankings 139 e 117. Os outros indicadores (igualmente qualitativos) que revelavam a necessidade dum vasto trabalho por encetar pertencem ao pilar das instituições – pilar 1. Trata-se de itens relacionados com os custos significativos suportados à margem dos negócios propriamente ditos, em especial – do ranking 132 ao 118 – os encargos com a sobrerregulamentação, com as despesas respeitantes à resolução da litigância – problema endémico do sistema judicial português, abordado nos posts O réquiem pela justiça e a operação Mãos Dadas com Abril, publicados em 28 de junho e 2 de julho p.p. – e com o desperdício dos gastos do Estado.

22. Como se compreende, o rol de itens apresentados na presente secção não é exaustivo. Embora as áreas afetas aos mesmos sejam provavelmente as mais problemáticas no domínio da competitividade nacional, importa realçar que existem outras que requerem uma reformulação da abordagem que tem vindo a ser seguida, fundamental para Portugal posicionar-se na parte da frente do pelotão internacional. É notório que o País não tem aproveitado como seria desejável as vantagens nos cinco pilares mencionados no ponto 17, onde goza duma visível vantagem competitiva relativa – pilares 2, 4, 5, 9 e 12.

23. Para que possa colher o fruto dessa vantagem, torna-se urgente refletir, de forma aprofundada e articulada, acerca das medidas que tenham maior impacto na competitividade nacional. Ante uma área tão nevrálgica como esta, e tendo ficado bem patente na primeira secção a relação causal entre a competitividade e a riqueza, é essencial que a Nação desbrave o caminho recôndito para conquistar o âmago das soluções e consiga identificar a luz para além da aurora do horizonte.

24. Não basta copiar as melhores práticas. Acima de tudo há que adaptá-las inovadoramente, procurando antecipar-se à própria evolução natural dos acontecimentos, na senda da diversificação e modernização da atividade produtiva, da economia e da sociedade portuguesas, o que carece da prévia existência da diversificação e modernização da mentalidade do povo e dos seus representantes. É necessário pensar vários anos à frente do tempo, sendo obrigatório ter permanentemente presente duas condições invioláveis: a articulação estreita entre competitividade e sustentabilidade não somente no domínio económico, e o respeito sincero pelas gerações mais novas e vindouras. Para tal, serão precisos planos quinquenais de pensamento que incluam o maior número possível de intervenientes sensatos com ideias honestas.

Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento (parte I/II)

Competitividade – Do elixir do crescimento aos planos quinquenais de pensamento (parte I/II) (29/08/2014)


Relação robusta entre competitividade e riqueza dos países


1. Competitividade é uma palavra fadada que está associada ao elixir do crescimento. Mais do que isso, ela define frequentemente a potência do motor da riqueza material de cada nação, visto que tem uma relação estreita com o nível de produtividade, do qual dependem a magnitude do desenvolvimento económico, dos rendimentos gerados e do bem-estar usufruído pelas populações. O gráfico seguinte evidencia a forte correlação (ρ) positiva entre a competitividade e o PIB per capita (PIBpc) – ρ=0,839 –, para a totalidade das 148 economias consideradas para efeitos da elaboração do relatório do Fórum Económico Mundial (FEM) sobre a competitividade mundial, publicado em 2013 – The Global Competitiveness Report 2013-2014.



Os triângulos vermelhos representam os países da OCDE pertencentes à União Europeia – o triângulo maior, na área central do gráfico, localiza Portugal. Os quadrados amarelos, os círculos rosa e os losangos pretos simbolizam, respetivamente, os países da OCDE não pertencentes à União Europeia, os países da União Europeia não pertencentes à OCDE e os países da OPEP (excluindo o Iraque). Os três pontos assinalados com “+” (na zona do canto superior direito) traduzem os Tigres Asiáticos – inclui Hong Kong, não obstante ser uma região administrativa chinesa (tal como Macau, ainda que não presente no relatório); falta a Coreia do Sul, por integrar a OCDE.

2. O tratamento efetuado à informação original constante do relatório do FEM – e posto em prática unicamente por facilitar a análise dos dados e a exposição gráfica dos mesmos – cingiu-se em logaritmizar o PIBpc – em base neperiana – e transformar a escala do índice de competitividade – de 1-7 em 0-100. Das duas séries de dados resulta a seguinte equação de regressão linear:

ln PIBpc = 2,731 + 0,113.competitividade
                                               (0,3298)  (0,0061)

sendo o coeficiente de determinação de 0,704 (= 0,839^2), pelo que cerca de 70% da variação do logaritmo do PIBpc explicam-se pelo índice de competitividade global mensurado pelo FEM – abordado na próxima secção –, o que é relevante tanto do ponto de vista estatístico como do económico. Em virtude de nenhum país registar um nível competitivo nulo ou próximo de zero – o valor mínimo é de quase 31 –, não há interpretação económica para a estimativa 2,731.

3. Cumpre referir que, para o teste unicaudal aplicado ao coeficiente de correlação, o valor da estatística empírica – em concreto 18,632 – excede incomparavelmente o valor da correspondente estatística teórica para qualquer região crítica – 2,352 para o nível de confiança de 99%, por exemplo. Assim, o valor de probabilidade (ou p-value) é infinitesimal, o que confirma a intensa significância estatística da relação entre a competitividade e o PIBpc (pese embora as séries se reportem a anos diferentes), ou seja, dada a abrangente dimensão da amostra – 148 observações –, a probabilidade de essa relação não ser fortuita é praticamente 100%. A análise de variância da regressão indica que o modelo obtido parece encontrar-se ajustado à realidade refletida nos dados inscritos do relatório e pode ser utilizado para realizar previsões. Tendo em conta o erro-padrão estimado do coeficiente de inclinação (0,0061), para um nível de confiança de 99% para tal coeficiente a sensibilidade ou elasticidade do PIBpc (em base logarítmica) face ao índice de competitividade situar-se-á entre 9,9% e 12,8%.

4. Adiante-se que, quaisquer que sejam os usuais níveis de significância considerados (nomeadamente 1%), são válidos os pressupostos de que os resíduos são independentes e identicamente distribuídos e seguem a distribuição Normal com média 0 e variância constante (0,663). Para verificar a hipótese da normalidade dos resíduos recorreu-se ao teste de Kolmogorov-Smirnov, e para rejeitar as hipóteses de autocorrelação e de heterocedasticidade dos mesmos – por outras palavras: hipóteses de que não são independentemente distribuídos e que a sua distribuição não tem uma única variância – adotaram-se os testes de Durbin-Watson e de Breusch-Pagan, respetivamente. A escolha deste último teste deve-se às circunstâncias de se estar em presença dum número suficientemente grande de observações e de se ter provado que os resíduos seguem assintoticamente uma distribuição Normal.

5. De modo a tentar incrementar a qualidade estatística da regressão – que é de 0,704, conforme mencionado –, procurou acrescentar-se outras variáveis para além da competitividade, desde que não fossem redundantes (para não incorrer no problema da multicolinearidade). Com vista à redução dos 29,6% da variação do PIBpc não explicados pela competitividade, ensaiaram se como variáveis explicativas o peso do comércio externo – exportações e importações – face ao PIB, o nível de desigualdade na repartição dos rendimentos – medido pelo índice de Gini –, o grau de religiosidade dos cidadãos e a inserção (ou não) – variável artificial – nos espaços da OCDE ou da União Europeia. A inclusão (de forma isolada ou conjunta) destas quatro variáveis contribuiu imaterialmente para a qualidade da regressão, não chegando o coeficiente de determinação a atingir 0,75. Importa portanto atribuir especial cuidado à competitividade, a variável-chave para que se criem oportunidades de crescimento e emprego e o calcanhar de Aquiles para que muitas sociedades não se consigam libertar da pobreza castigadora.

6. Graficamente conclui-se com facilidade que os outliers são os pares de observações (35,8; 8,7), (39,2; 9,5) e (53,5; 6,5), afetos a Angola (A), Venezuela (V) e Ruanda (R), por terem, em termos relativos, por um lado, valores reduzidos para a competitividade e elevados para o PIBpc – os dois primeiros pares – e, por outro, um valor elevado para a competitividade e reduzido para o PIBpc – o último par. Mediante os dados divulgados pelo FEM conclui-se que os percentis da competitividade e do PIBpc são 4 e 47 (A), 9 e 66 (V), e 55 e 9 (R). Do ponto de vista analítico confirma-se que os maiores resíduos da regressão – 2,293 (V), 1,88 (A) e -2,262 (R) – correspondem nitidamente aos anteriores três pontos identificados. Com a exclusão dos mesmos, a qualidade da regressão melhoraria ligeiramente, passando a equação a ser definida por lnPIBpc=2,52+0,117.competitividade. Os coeficientes de correlação e de determinação passariam de 0,839 e 0,704 para 0,862 e 0,743, e a elasticidade de 0,113 para 0,117.

Índice de competitividade global


7. O índice de competitividade obtido pelo FEM é fidedigno e completo. Foi construído através de 114 indicadores – dos quais a maioria (80) refere-se a informação de natureza qualitativa extraída do inquérito anual de opinião dirigido aos gestores executivos –, repartidos por uma dúzia de pilares, a saber:
   1) Consolidação das instituições públicas e privadas (21 indicadores)
   2) Oferta de infraestruturas (9 indicadores)
   3) Estabilidade do ambiente macroeconómico (5 indicadores)
   4) Saúde e educação básica da força de trabalho (10 indicadores)
   5) Educação e formação da mão de obra (8 indicadores)
   6) Acessibilidade ao mercado (16 indicadores)
   7) Funcionamento do mercado de trabalho (10 indicadores)
   8) Desenvolvimento do mercado financeiro (8 indicadores)
   9) Aproveitamento dos benefícios tecnológicos (7 indicadores)
   10) Dimensão do mercado interno ou externo (4 indicadores)
   11) Sofisticação dos processos de negócio (9 indicadores)
   12) Fomento da inovação (7 indicadores).

8. Retomando a elasticidade PIBpc-competitividade expressa na última parte do ponto 3, constata-se que o acréscimo duma unidade de competitividade (na escala até 100) pode passar por uma melhoria inicial num item. Esta melhoria terá um efeito multiplicador, dado que os indicadores não são completamente exclusivos. A resposta ao aumento – concreto ou, nas situações de informação qualitativa, apreendido – dum indicador no PIB é economicamente válida, pois a atração de investimento (nacional ou estrangeiro) depende da taxa de retorno do capital investido, a qual varia bastante em função do nível de produtividade dos fatores de produção. É aí que reside porventura a principal fonte de competitividade entre os países, necessária para um efetivo crescimento sustentável.

9. Para calcular o índice de competitividade global o FEM empregou uma metodologia própria. Criou três subíndices e ponderou-os consoante o tipo de economias, aliás em linha – como o próprio Fórum reconhece – com as teorias (neoclássicas) sobre o estádio de desenvolvimento dos países. O primeiro subíndice – de requisitos básicos, segundo a sua terminologia – inclui os quatro primeiros pilares; o segundo – de eficiência reforçada – abarca os seis seguintes; e o terceiro – de inovação e sofisticação – contempla os dois últimos. Para as economias que se encontram no patamar mais baixo de crescimento, os referidos subíndices tiveram a ponderação de 60%, 35% e 5%. Para as que pertencem ao segundo nível, os ponderadores foram 40%, 50% e 10%, enquanto para as que estão no limiar superior de crescimento passaram a ser 20%, 50% e 30%. Para os países em fase de transição – entre o primeiro e o segundo e entre o segundo e o terceiro níveis –, os ponderadores foram escolhidos individualmente adotando dois critérios: o PIBpc e o peso das exportações de produtos minerais no total das exportações (de mercadorias e serviços).

10. Há todavia a frisar que se prescindia da incursão do FEM aos modelos económicos de desenvolvimento para determinar o grau de competitividade. Não tanto por serem controversos para algumas correntes de pensamento mas sim por se revelarem indiferentes para o caso em apreço. Entre optar pela metodologia intricada descrita no ponto anterior – da qual resultou ρ=0,839, como já indicado – e adotar a média simples dos três subíndices – de onde provir ρ=0,842 – ou aplicar aos vários países as ponderações supra apresentadas – advindo ρ=0,865, 0,856 ou 0,832, para os pesos 60%-35%-5%, 40%-50%-10% ou 20%-50%-30%, seguindo a mesma ordem –, conclui-se que se mantém o nível da robustez da correlação entre a competitividade e o PIBpc. Tal sucede porque os vários subíndices estão fortemente relacionados entre si – entre 0,833 e 0,925.

11. Como o FEM sublinha, a competitividade é uma condição necessária mas insuficiente para a prosperidade, não apenas porque os valores modernos de cidadania conduzem a que o progresso esteja intimamente associado ao respeito pelo Homem e pela Natureza - este argumento não foi invocado pelo Fórum -, mas também devido ao evidente impacto benéfico que a sustentabilidade social e ambiental provoca nas políticas económicas e no respetivo desempenho, constituindo ela própria desse modo um fator competitivo de crescimento de longo prazo. Assim sendo, o FEM efetuou um ajustamento ao índice de competitividade global, incorporando as componentes social e ambiental. Concretamente aplicou ao índice de competitividade quer um coeficiente de sustentabilidade social, quer outro de sustentabilidade ambiental, os quais variam entre 0,8 e 1,2. Por ausência de informação, 27 dos 148 territórios foram excluídos da análise. Para os 121 países para os quais foi possível calcular o índice de competitividade global corrigido, a correlação deste com o PIBpc – 0,843 – é praticamente igual à obtida sem o ajustamento – 0,832 (que era de 0,839 para o conjunto das 148 economias, como se tem repetido).

12. Os dois coeficientes acima citados contêm certas limitações, decorrentes nomeadamente do facto de eles permitirem compensações entre os diferentes indicadores que comportam cada um dos coeficientes, por um lado, e de diversas importantes métricas sociais e ambientais não terem sido incorporadas por falta de informação, por outro. Não obstante, são um barómetro fragrante (e flagrante) das condições de vida duradouras e da prosperidade sólida, porquanto a competitividade ajustada às dimensões social e ambiental fica dotada duma perspetiva de estabilidade temporal que o índice de competitividade global por si só não possui.

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