domingo, 12 de julho de 2020

Covid 19 e a direção do corredor aéreo britânico… com sentido?

Covid 19 e a direção do corredor aéreo britânico… com sentido? (17/07/2020)





Enquadramento

O corredor aéreo anunciado pelo Governo do Reino Unido na passada segunda‑feira, 6 de julho, abrange 59 países, ficando assim os britânicos que viajarem para estes países dispensados de, ao regressarem a casa, estarem sujeitos à quarentena obrigatória de 14 dias. Nos próximos tempos, de poucas semanas a vários meses, os Estados que não constarem da lista de países que integram tal corredor serão mais ou menos afetados, dependendo do tipo de relações com os britânicos.
Ora, sendo o Reino Unido o quarto maior consumidor de turismo a nível mundial – as suas importações de turismo situavam‑se, segundo dados referentes ao final de 2018, somente atrás das da China, dos Estados Unidos e da Alemanha –, é normal que os países exportadores de turismo excluídos dessa lista sofrerão um rude golpe, especialmente os que se encontram mais expostos ao setor turístico como é o caso de Portugal. Em 2018, as receitas do turismo recebidas pelo nosso País representaram 10% do PIB nacional. No seio da União Europeia, só na Croácia (20%), em Chipre (14%) e em Malta (13%) esse género de receitas tinha maior peso do que na nossa Nação. Na mesma data, as receitas provenientes do turismo representavam 23% do valor das exportações portuguesas. Se o turismo pesa cerca de 1/10 do PIB e 1/4 das exportações, é fácil assumir um cenário não pessimista quanto às quebras do PIB e das exportações nacionais em 2020.
Coloca‑se assim a conveniência de tentar aferir o sentido da direção do corredor aéreo criado pelas instâncias britânicas. Como se procurará explicar, parece que, estritamente à luz dos dados disponíveis, à decisão tomada pelo Reino Unido faltará algum rigor e completude, no tocante à exclusão de Portugal daquela lista.
É verdade que atitudes pouco cívicas tomadas por parte de alguns patrícios após o fim do triplo estado de emergência muito contribuíram para que Portugal, como um todo, e em especial o setor turístico nacional, tenham sido severamente penalizados. Não obstante tais atitudes poderem ou deverem ter sido evitadas (tanto mais conhecendo a externalidade negativa que representa, para o bem comum, um ato individual irrefletido), importa reconhecer que a realidade é muito diferente do cenário que por vezes se pinta.

Realidade versus previsão

Observe‑se o gráfico 1, construído a partir da informação usada no post «Covid-19 em Portugal – A necessidade de um cenário otimista e a urgência de uma redistribuição realista», publicado no passado 3 de maio.
[Note‑se que a informação existente até 3 de maio constante do gráfico 1 não é exatamente igual à correspondente informação apresentada no primeiro gráfico do citado post. O facto de ter havido correção nos dados oficiais publicados até ao dia 2 de maio, como o quadro seguinte demonstra, suscitou algumas dúvidas, desde logo por existirem números nulos e negativos.


 Assim, no âmbito do tratamento dos dados, houve uma alteração face ao que fora efetuado aquando da realização do post: foram considerados os valores oficialmente reportados até 3 de maio e, para diluir um pouco mais o efeito dos números nulos e negativos atrás mencionados, passou a adotar‑se a média móvel de cinco dias (em vez de quatro). Ademais, no tocante às projeções, foi modificado o pressuposto de reduções diárias de 6% de novos casos e 3% de mortes declaradas para reduções diárias de 5% de casos e 2,5% de mortes.]
Gráfico 1

O gráfico permite a comparação, para o período do desconfinamento em vigor após o estado de emergência, dos casos e das mortes efetivos com os casos e as mortes previstos. Para esse período, o número total de casos efetivos – linha verde – é 2,5 vezes superior ao correspondente número de casos previstos – barras a azul, considerando uma redução de diária de 5%. Ao invés, a aproximação da previsão à realidade é bem visível em termos do número total de mortes – duas linhas pretas e tracejadas. Para o mesmo período, o número total de mortes efetivas é até 3% inferior ao total de mortes previstas (admitindo uma redução diária de mortes de 2,5%).
Portanto, carece de alguma explicação a aparente incoerência entre a evolução do número de casos confirmados e a evolução do número de mortes associadas à doença pandémica. A explicação é incrivelmente simples: se Portugal efetuasse menos testes à existência do vírus, ficaria muito fotogénico na óptica do número de novos casos diários confirmados. Porém, seria uma fotografia maquilhada, não apenas por esconder a realidade como ainda – e pior que tudo – por estar a fechar os olhos à realidade e assim, por descuido ou omissão criminais e de lesa pátria, acabar por ver a doença disseminar‑se descontroladamente.
Se, como se compreende, o País não consegue controlar alguns cidadãos que, a todo o momento, defendem que o interesse e o bem‑estar individuais são objetivos incondicionais – mesmo que posteriormente venham a ser lesados por o prejuízo causado à coletiva Nação sobrepor‑se a todos esses pseudo‑objetivos incondicionais –, tem a meritosa humildade de, em democracia e sob o prisma da transparência perante si e o Mundo, reconhecer que a pandemia é uma sombra sempre acordada e pronta a atacar.

Dimensão do número de novos casos

No tocante ao número de novos casos confirmados nas últimas semanas, critério que muito provavelmente terá sido usado para a elaboração da lista associado ao corredor aéreo com o Reino Unido, é um facto que Portugal foi assaz penalizado por ter tido a decisão de mudar de abordagem quanto à realização de testes à existência do vírus. Esta virtuosa coragem, em prol da saúde pública, coloca Portugal num rating baixo face aos congéneres. Mas números são números: justos para uns; benéficos para outros; e injustos e maléficos para alguns, como sucede com Portugal.
O indicador “R”, usado para medir o efeito de propagação da doença, é de extrema utilidade. Todavia, é fundamental que a abordagem adotada pelos vários países seja comparável. Não sendo, o mero número de novos casos confirmados – informação que permite conhecer a evolução da pandemia – torna o indicador enviesado e errático, e por conseguinte não comparável entre os vários países. Além de poder revelar‑se inútil por não ser comparável, será contraproducente por levar a conclusões com consequências perversas.
Os gráficos 2 e 3 são quase autoexplicativos. Pelo gráfico 2 confirma‑se que, no tocante ao critério cego orientado para a deteção de casos da doença – critério cego porque é alheio à política nacional de realização de testes à doença –, Portugal deveria ter sido excluído do corredor aéreo. Nesse aspeto particular do número de casos (por cada cem mil habitantes), ultimamente Portugal tem‑se situado num patamar pior do que o Reino Unido. Basta que, por cada cem mil habitantes, Portugal realize muito mais testes do que os efetuados noutro país para que dispare o resultado de testes positivos e piore o rating mencionado no penúltimo parágrafo.
Nesse aspeto, ainda que sob um critério enviesado, Portugal está pior do que o Reino Unido. Pelo mesmo critério não mereceram estar na lista um conjunto alargado de países, tais como Brasil, Estados Unidos, Israel, Suécia e Irão. À luz de igual critério, já a inclusão do Luxemburgo na lista, bem como a exclusão da China e do Canadá, terão oferecido alguma hesitação. É a conclusão a que se chega pela observação do gráfico 2, que inclui dados referentes a todo o mês de junho e aos primeiros dias de julho. Dado que a lista de países para o corredor aéreo britânico foi anunciada segunda‑feira, consideraram‑se os valores registados até à véspera, dia 5 de julho. [Optou‑se por não incluir os valores do Reino Unido referentes aos últimos dias do período a que o gráfico se refere em virtude de ter sido registada, em 3 de julho, uma diminuição de 29.726 casos confirmados no território de Sua Majestade.]
 Gráfico 2

O gráfico 3 é um subconjunto do gráfico 2. Não contém os países apresentados no gráfico anterior que foram excluídos da lista, tal como não contém o Luxemburgo, apesar de nela ter sido incluído. Entre a dúzia e meia de países apresentados no gráfico 3, não há dúvida que Portugal é o pior. O Reino Unido ter‑se‑á empolgado com a descida, nas últimas semanas, do número de casos confirmados, esquecendo‑se de tudo o resto, o que mais releva: o número de mortes.
Gráfico 3



Dimensão do número de mortes

Perante o que anteriormente foi explicado, importa analisar os mesmos países à luz da dimensão mais objetiva e comparável de todas: o número de mortes causadas pela doença Covid‑19. É o teste que urge, e no qual Portugal pede meças para que a realidade seja observada com os óculos, ou até os microscópios, da verdade.
No gráfico 4 são destacados, além de Portugal e o Reino Unido, um país que há dias acabou por dar o dito por não dito: a Bélgica. De acordo com os dados oficiais, se há países que não devem mandar pedras para o ar, a Bélgica parece ser um deles. E o Reino Unido também não está muito bem colocado; ou pelo menos não está claramente melhor do que Portugal. Mas pensará estar, a ver pela lista que publicou. Uma lista que incluiu a Bélgica e excluiu Portugal.
Gráfico 4



O gráfico 5 permite desfazer definitivamente os equívocos. Durante o período das seis semanas a que a análise se refere, a mortalidade causada pela doença foi, no conjunto dos 17 Estados incluídos no gráfico, claramente superior no Reino Unido do que nos demais 16 países. Essa é a primeira constatação.
Gráfico 5



Outra grande constatação prende‑se com a posição de Portugal. Entre Portugal, excluído da lista, e os outros 15 países, incluídos na lista do corredor aéreo britânico, qual deles o melhor (ou o pior)? Tratando‑se de mortes causadas por uma pandemia, há motivo para responder que venha o Diabo e escolha. Certo é que o primeiro veredicto do Diabo penalizou Portugal. Imagine‑se qual seria a reação do Reino Unido se os 16 países assumissem a mesma direção e excluíssem‑no de quaisquer listas análogas, com base no facto irrefutável de a mortalidade nas últimas semanas associada à Covid‑19 ocorrida no território de Sua Majestade ser superior à desses países. Seria uma direção com sentido?
Com ou sem corredor, Portugal tem de trilhar o seu caminho, e os portugueses têm o nobre dever de cumprir imediatamente a sua função no combate à pandemia. Está nas mãos de nós, e não do Estado, a resposta que a Nação deve endereçar a quem duvida de si.

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