
Enquadramento
O corredor
aéreo anunciado pelo Governo do Reino Unido na passada segunda‑feira, 6 de
julho, abrange 59 países, ficando assim os britânicos que viajarem para estes
países dispensados de, ao regressarem a casa, estarem sujeitos à quarentena
obrigatória de 14 dias. Nos próximos tempos, de poucas semanas a vários meses,
os Estados que não constarem da lista de países que integram tal corredor serão
mais ou menos afetados, dependendo do tipo de relações com os britânicos.
Ora, sendo o Reino
Unido o quarto maior consumidor de turismo a nível mundial – as suas importações
de turismo situavam‑se, segundo dados referentes ao final de 2018, somente atrás
das da China, dos Estados Unidos e da Alemanha –, é normal que os países
exportadores de turismo excluídos dessa lista sofrerão um rude golpe,
especialmente os que se encontram mais expostos ao setor turístico como é o
caso de Portugal. Em 2018, as receitas do turismo recebidas pelo nosso País
representaram 10% do PIB nacional. No seio da União Europeia, só na Croácia
(20%), em Chipre (14%) e em Malta (13%) esse género de receitas tinha maior
peso do que na nossa Nação. Na mesma data, as receitas provenientes do turismo
representavam 23% do valor das exportações portuguesas. Se o turismo pesa cerca
de 1/10 do PIB e 1/4 das exportações, é fácil assumir um cenário não pessimista
quanto às quebras do PIB e das exportações nacionais em 2020.
Coloca‑se assim a
conveniência de tentar aferir o sentido da direção do corredor aéreo criado
pelas instâncias britânicas. Como se procurará explicar, parece que,
estritamente à luz dos dados disponíveis, à decisão tomada pelo Reino Unido faltará
algum rigor e completude, no tocante à exclusão de Portugal daquela lista.
É verdade que
atitudes pouco cívicas tomadas por parte de alguns patrícios após o fim do
triplo estado de emergência muito contribuíram para que Portugal, como um todo,
e em especial o setor turístico nacional, tenham sido severamente penalizados.
Não obstante tais atitudes poderem ou deverem ter sido evitadas (tanto mais
conhecendo a externalidade negativa que representa, para o bem comum, um ato
individual irrefletido), importa reconhecer que a realidade é muito diferente
do cenário que por vezes se pinta.
Realidade versus previsão
Observe‑se o
gráfico 1, construído a partir da informação usada no post «Covid-19 em Portugal – A necessidade de um cenário otimista e a urgência de uma redistribuição realista», publicado no passado 3
de maio.
[Note‑se que a informação
existente até 3 de maio constante do gráfico 1 não é exatamente igual à
correspondente informação apresentada no primeiro gráfico do citado post. O facto de ter havido correção nos
dados oficiais publicados até ao dia 2 de maio, como o quadro seguinte
demonstra, suscitou algumas dúvidas, desde logo por existirem números nulos e
negativos.
Gráfico 1
O gráfico permite
a comparação, para o período do desconfinamento em vigor após o estado de
emergência, dos casos e das mortes efetivos com os casos e as mortes previstos.
Para esse período, o número total de casos efetivos – linha
verde – é 2,5 vezes superior ao correspondente número de casos
previstos – barras a azul, considerando uma redução de diária de 5%.
Ao invés, a aproximação da previsão à realidade é bem visível em termos do
número total de mortes – duas linhas pretas e tracejadas. Para o
mesmo período, o número total de mortes efetivas é até 3% inferior ao total de
mortes previstas (admitindo uma redução diária de mortes de 2,5%).
Portanto, carece
de alguma explicação a aparente incoerência entre a evolução do número de casos
confirmados e a evolução do número de mortes associadas à doença pandémica. A
explicação é incrivelmente simples: se Portugal efetuasse menos testes à
existência do vírus, ficaria muito fotogénico na óptica do número de novos
casos diários confirmados. Porém, seria uma fotografia maquilhada, não apenas
por esconder a realidade como ainda – e pior que tudo – por
estar a fechar os olhos à realidade e assim, por descuido ou omissão criminais
e de lesa pátria, acabar por ver a doença disseminar‑se descontroladamente.
Se, como se
compreende, o País não consegue controlar alguns cidadãos que, a todo o
momento, defendem que o interesse e o bem‑estar individuais são objetivos
incondicionais – mesmo que posteriormente venham a ser lesados por o
prejuízo causado à coletiva Nação sobrepor‑se a todos esses pseudo‑objetivos
incondicionais –, tem a meritosa humildade de, em democracia e sob o
prisma da transparência perante si e o Mundo, reconhecer que a pandemia é uma
sombra sempre acordada e pronta a atacar.
Dimensão do número de novos casos
No tocante ao
número de novos casos confirmados nas últimas semanas, critério que muito
provavelmente terá sido usado para a elaboração da lista associado ao corredor
aéreo com o Reino Unido, é um facto que Portugal foi assaz penalizado por ter
tido a decisão de mudar de abordagem quanto à realização de testes à existência
do vírus. Esta virtuosa coragem, em prol da saúde pública, coloca Portugal num rating baixo face aos congéneres. Mas
números são números: justos para uns; benéficos para outros; e injustos e
maléficos para alguns, como sucede com Portugal.
O indicador “R”,
usado para medir o efeito de propagação da doença, é de extrema utilidade.
Todavia, é fundamental que a abordagem adotada pelos vários países seja comparável.
Não sendo, o mero número de novos casos confirmados – informação que
permite conhecer a evolução da pandemia – torna o indicador enviesado
e errático, e por conseguinte não comparável entre os vários países. Além de
poder revelar‑se inútil por não ser comparável, será contraproducente por levar
a conclusões com consequências perversas.
Os gráficos 2 e 3
são quase autoexplicativos. Pelo gráfico 2 confirma‑se que, no tocante ao
critério cego orientado para a deteção de casos da doença – critério
cego porque é alheio à política nacional de realização de testes à doença –,
Portugal deveria ter sido excluído do corredor aéreo. Nesse aspeto particular
do número de casos (por cada cem mil habitantes), ultimamente Portugal tem‑se
situado num patamar pior do que o Reino Unido. Basta que, por cada cem mil
habitantes, Portugal realize muito mais testes do que os efetuados noutro país
para que dispare o resultado de testes positivos e piore o rating mencionado no penúltimo parágrafo.
Nesse aspeto,
ainda que sob um critério enviesado, Portugal está pior do que o Reino Unido.
Pelo mesmo critério não mereceram estar na lista um conjunto alargado de
países, tais como Brasil, Estados Unidos, Israel, Suécia e Irão. À luz de igual
critério, já a inclusão do Luxemburgo na lista, bem como a exclusão da China e
do Canadá, terão oferecido alguma hesitação. É a conclusão a que se chega pela
observação do gráfico 2, que inclui dados referentes a todo o mês de junho e
aos primeiros dias de julho. Dado que a lista de países para o corredor aéreo
britânico foi anunciada segunda‑feira, consideraram‑se os valores registados
até à véspera, dia 5 de julho. [Optou‑se por não incluir os valores do Reino
Unido referentes aos últimos dias do período a que o gráfico se refere em
virtude de ter sido registada, em 3 de julho, uma diminuição de 29.726 casos
confirmados no território de Sua Majestade.]
O gráfico 3 é um
subconjunto do gráfico 2. Não contém os países apresentados no gráfico anterior
que foram excluídos da lista, tal como não contém o Luxemburgo, apesar de nela
ter sido incluído. Entre a dúzia e meia de países apresentados no gráfico 3, não
há dúvida que Portugal é o pior. O Reino Unido ter‑se‑á empolgado com a
descida, nas últimas semanas, do número de casos confirmados, esquecendo‑se de
tudo o resto, o que mais releva: o número de mortes.
Gráfico 3
Dimensão do número de mortes
Perante o que
anteriormente foi explicado, importa analisar os mesmos países à luz da
dimensão mais objetiva e comparável de todas: o número de mortes causadas pela
doença Covid‑19. É o teste que urge, e no qual Portugal pede meças para que a
realidade seja observada com os óculos, ou até os microscópios, da verdade.
No gráfico 4 são
destacados, além de Portugal e o Reino Unido, um país que há dias acabou por
dar o dito por não dito: a Bélgica. De acordo com os dados oficiais, se há
países que não devem mandar pedras para o ar, a Bélgica parece ser um deles. E
o Reino Unido também não está muito bem colocado; ou pelo menos não está
claramente melhor do que Portugal. Mas pensará estar, a ver pela lista que
publicou. Uma lista que incluiu a Bélgica e excluiu Portugal.
Gráfico 4
O gráfico 5
permite desfazer definitivamente os equívocos. Durante o período das seis
semanas a que a análise se refere, a mortalidade causada pela doença foi, no
conjunto dos 17 Estados incluídos no gráfico, claramente superior no Reino
Unido do que nos demais 16 países. Essa é a primeira constatação.
Gráfico 5
Outra grande
constatação prende‑se com a posição de Portugal. Entre Portugal, excluído da
lista, e os outros 15 países, incluídos na lista do corredor aéreo britânico,
qual deles o melhor (ou o pior)? Tratando‑se de mortes causadas por uma
pandemia, há motivo para responder que venha o Diabo e escolha. Certo é que o primeiro
veredicto do Diabo penalizou Portugal. Imagine‑se qual seria a reação do Reino
Unido se os 16 países assumissem a mesma direção e excluíssem‑no de quaisquer
listas análogas, com base no facto irrefutável de a mortalidade nas últimas
semanas associada à Covid‑19 ocorrida no território de Sua Majestade ser
superior à desses países. Seria uma direção com sentido?
Com ou sem
corredor, Portugal tem de trilhar o seu caminho, e os portugueses têm o nobre dever
de cumprir imediatamente a sua função no combate à pandemia. Está nas mãos de
nós, e não do Estado, a resposta que a Nação deve endereçar a quem duvida de
si.









