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segunda-feira, 27 de julho de 2020

PPP lusitanas – Das permanentes fantasias à efetiva solução (Documento completo)






David Dinis(1)

A. Notas introdutórias


1.  A sabedoria popular adverte que ovelha que bale, bocado que perde. Nada mais verdadeiro no caso das parcerias público‑privadas (PPP) lusitanas. Em abono da verdade, o adágio anterior e as observações formuladas no presente documento acerca das PPP são facilmente extensíveis às rendas excessivas no setor energético nacional – apenas dois exemplos elucidativos do estado a que chegou o País.
2.  Antes de nos debruçarmos sobre a resolução do gravíssimo problema das PPP, enquadremo‑lo primeiro no contexto da negociação efetuada entre o Estado e os privados. Concluir‑se‑á depois que uma renegociação equilibrada das PPP ou uma medida fiscal de impacto equivalente à renegociação, que defenda minimamente o interesse público e em simultâneo não lese sobremaneira as outras partes envolvidas – as concessionárias e os bancos financiadores –, pode traduzir‑se, para os contribuintes portugueses, numa poupança diária claramente superior a um milhão de euros.
3.  Realce‑se que as evidências apresentadas neste texto não pretendem ocultar as virtudes das PPP mas tão‑somente expor os vícios das PPP celebradas em Portugal. Qualquer negócio (ou parceria) é considerado vantajoso quando ambas as partes reconhecem a sua utilidade; caso contrário, não passa de uma aposta assente em regras desequilibradas que conduzem a resultados distorcidos e iníquos para uma das partes. As PPP deveriam ser o fruto de uma relação de simbiose entre a especialização do setor privado nalguma área e a preocupação do setor público em otimizar o aproveitamento do dinheiro dos contribuintes – é assim que as pessoas honestas as veem.
4.  Genericamente, se os privados tratarem o Estado como um cliente normal e igual aos demais, que se preocupa em maximizar a utilidade dos recursos despendidos, por um lado, e se o setor público não embarcar na penumbra com projetos insustentáveis e souber, de modo racional, identificar o custo de oportunidade das suas decisões, por outro, as PPP são profícuas para os domínios público e privado. Nada disso sucedeu em Portugal, como todos reconhecem (mas poucos confessam). Nas nossas PPP o produto final está totalmente enviesado, dado que o processo encontra‑se inquinado desde o começo, constatando‑se o permanente e tradicional mecanismo distributivo em que o setor privado fica com a carne e ao setor público está adstrito o refugo.

B. Características do processo negocial


5.  Por muito que nos esforcemos, não conseguimos retratar os factos sem nos socorrermos de descrições assertivas. A superficialidade dos comentários e a suavização das palavras deformava a realidade dos negócios das concessões estabelecidas em Portugal. Megalomania, desorçamentação, irresponsabilidade, incompetência e resignação traduzem fria mas fielmente os vícios do pentágono que rodeia as PPP portuguesas –porventura um pentágono regular, pois não se distingue qualquer um dos vícios face aos restantes.
6.  Situemos o problema no tempo. Curada a maleita das reprivatizações – sentida e absorvida desde o final da década de 80 e que durou grande parte da década seguinte, na qual largas centenas de portugueses perderam imenso dinheiro na lingada da ilusão do capitalismo popular, ao ponto de terem contraído insensatamente empréstimos para adquirir ações –, surgiu uma doença mais difícil de debelar: as PPP. Para alguns, estas parcerias são o símbolo de uma genuína vaga de inovação financeira, digna de distinção, enquanto para a maioria representam um submundo que envolve relações escuras e ignóbeis entre os poderes político e económico, relações estas cujo pior destino – pelo qual determinada gente ilustre parece sentir preferência – será, se tanto, permanecerem impunemente na memória coletiva.
7.  Portugal tornou‑se noutro tipo de república: a das PPP. Pode afirmar‑se que o ciclo das parcerias arrancou em 1995, com a concessão, por parte do Estado português à Lusoponte, da travessia das pontes sobre o Rio Tejo, e terminou em 2010. Houve dezenas de contratos de PPP, repartidos por diversas áreas, embora a maioria deles se concentre, em número e em valor, no setor rodoviário. O peso do investimento megalómano realizado ao longo dos anos e do consequente custo para o erário público fazem de Portugal o país destacado das PPP na Europa (relativamente ao PIB de cada Estado). Provavelmente ninguém se admiraria se tais parcerias tivessem sido usadas para a construção e modernização dos estádios de futebol aquando do Euro 2004 ou para a requalificação do parque escolar de há alguns anos.
8.  Ademais, cumpre reconhecer que a dimensão desmedida das PPP só foi possível devido às regras vigentes na União Europeia e reconhecidas pelo Eurostat – e pelos demais organismos internacionais, bem como pelas empresas de notação de risco (vulgo agências de rating) – para efeitos de mensuração e registo dos défices públicos. Logo, a desorçamentação tem sido aceite pelas mesmas instâncias que recomendam ou até impelem os países europeus a reduzir o défice orçamental e enveredar pela disciplina financeira.
9.  Assim sendo, não surpreende que para as classes políticas nacionais – das mais às menos populistas – as PPP tenham sido adoradas como o expoente de três mundos: apresentação de obra feita, com muito pouco dinheiro investido ao início e, como se ainda não bastasse, cumprindo as regras ditadas supranacionalmente. Contudo, se para os objetivos da maioria dos políticos não existia melhor modelo de infraestruturas públicas do que as PPP, para os contribuintes portugueses a realidade destas parcerias foi indiscutivelmente diferente: traduziram‑se num dos maiores pecados nacionais que podiam ter acontecido na época democrática, não inferior – no que respeita ao esforço penoso para os cidadãos – à hecatombe do Banco Português de Negócios (BPN).
10. A verdade vem sempre ao de cima, como a doutrina do povo sabiamente confirma. É como uma substância que segue invariavelmente as leis da Física, no que se refere em concreto à densidade dos corpos. A elevação da verdade das PPP coincidiu obviamente com o afundamento da nossa credibilidade, não tanto perante nós próprios mas antes em relação a quem nos observa, por não termos conseguido descortinar o tamanho dos erros cometidos.
11. Por mais esforço incessante que as figuras do Estado despendam para formatar a opinião pública (nacional e internacional) e instalar a ideia de que se deve separar as contas de Portugal das da Grécia, não conseguem ocultar que a grande diferença entre os dois países se restringe à fama, visto que no tocante ao proveito ambos ficaram com a barriga temporariamente cheia e a carteira prolongadamente vazia. Aliás, se as nossas figuras públicas não fossem superficiais no seu juízo, conter‑se‑iam nas arrogantes comparações entre os dois países, visto que, à luz do índice de concentração da riqueza, os gregos terão sido mais equilibrados do que os portugueses na repartição dos benefícios imediatos do endividamento e do despesismo estatais. Também aí se distinguem os países onde a democracia está milenarmente enraizada dos que perfilham o feudalismo democrático para a era moderna.
12. O povo helénico é dono e senhor da fama de ter mascarado as contas nacionais através de mecanismos desconhecidos das organizações internacionais e, por isso, violou os cânones europeus estabelecidos. Por cá, um semelhante desnorte contabilístico foi cumprido mas recorrendo a diferentes meios. Pensava‑se que as contas públicas ficariam menos encardidas com o detergente das PPP – e mesmo assim, quando se pretendeu inventariar quanta roupa havia no cesto, descobriu‑se que afinal estavam lá para o fundo umas peças grandes que até então ninguém dera por elas. Haja decoro e humildade para reconhecer as nossas fraquezas; qualquer gente decente que se preze sabe pugnar pelos seus desideratos sem acusar ou rebaixar outrem.
13. Depois da megalomania e da desorçamentação atrás apresentadas, as PPP revelaram uma terceira perspetiva na arte da contratação das nossas concessões: um processo decisório irresponsável, por não ter havido uma prévia e cuidada análise de custo‑benefício, que passasse nomeadamente por quantificar os efetivos montantes a despender pelas finanças públicas. São decisões descuidadas do género que fornecem aos cidadãos – ainda que tantas vezes sem razão – a inabalável ideia de permeabilidade dos decisores políticos face ao poderio económico.
14. A incompetência dos órgãos técnicos estatais é outra faceta que ressalta do balanço extraído das PPP(2). A eles cabe apoiar os políticos na tomada de decisões esclarecidas, equitativas e eficientes, que tenham em conta quer o retorno esperado dos investimentos efetuados e dos encargos suportados, quer o risco incorrido. Pelos resultados, presume‑se que os mencionados órgãos não aconselharam de forma correta os decisores, nem financeira nem juridicamente(3). Foram incapazes de os direcionar para que estivessem cientes do quão calamitosos seriam os negócios das PPP, e tão‑pouco conseguiram alertá‑los para o perigo de que tais negócios poderiam deixar a Nação presa a cláusulas leoninas. O seu raciocínio foi escasso para admitir que, tal como nem tudo o que luz é ouro, nem todas as PPP são verdadeiras parcerias e de «parcerias» só têm o nome.
15. As PPP genuínas – ou «verdadeiras», para ligar ao adjetivo ainda atrás usado – assentam em operações cujo investimento realizado inicialmente pelos privados é financiado na íntegra através das receitas geradas pelos próprios projetos – project‑finance, na pura aceção da expressão –, sendo o risco de flutuação das receitas assumido pelos privados. Assim, nesse tipo de operações, espera‑se naturalmente que os privados exijam um prémio de risco compatível com a natureza dos negócios. Pelo contrário, as PPP portuguesas sempre foram híbridas; fundamentam‑se em contratos relativamente intricados, onde os privados obtêm ao mesmo tempo sol na eira e chuva no nabal.
16. De facto, importa reconhecer que a inovação financeira, para alguns vivamente enaltecida – vd. parte final do ponto 6 –, lesou gravemente o erário público. No caso português, os investimentos são financiados, desde logo, pelas receitas próprias dos projetos e, não se verificando as condições de equilíbrio financeiro – eufemismo para traduzir o cenário de as receitas reais ficarem aquém das previstas, como tem acontecido por exemplo com o volume de tráfego das nossas autoestradas(4) –, o Estado português ressarce os privados com o montante necessário para assegurar tal equilíbrio.
17. Note‑se que o financiamento dos investimentos baseado no modelo puro de project‑finance – é o que acontece nas PPP genuínas, como se expressou no penúltimo ponto – não envolve a existência de qualquer garantia. Daqui se confirma que os órgãos técnicos de assessoria do Estado deveriam ter manifestado algum espírito crítico e suficiente valência técnica para não se iludirem com a complexidade contratual subjacente às PPP, porventura premeditada e estrategicamente montada para tornar a informação menos inteligível e transparente, desmotivando desse modo a parte pública contratante a prosseguir uma análise integral e racional dos projetos propostos pelos privados.
18. O último lado do pentágono que cerca as PPP aludido na segunda parte do ponto 5 reflete o elevado grau de resignação, que infelizmente é apanágio da população portuguesa. Por maior desolação que jorre do seu interior, o povo condescende e acaba por lutar pela Nação, saiba ou não o que está em causa(5). O senão é que, ao contrário do que ele pensa, afinal a Nação não é sua mas sim de um punhado. É o código genético da nossa mentalidade. As parcerias em questão são mais uma constatação dos negócios ruinosos para as finanças públicas, cujos prejuízos são invariavelmente pagos pelo povo, como consequência da megalomania, desorçamentação, irresponsabilidade e incompetência dos decisores e dos seus assessores.

C. Renegociação ou fiscalidade


19. Tem havido diversas propostas de solução para as PPP, embora raramente viáveis. Num lado estão os apologistas da opinião de que, pura e simplesmente, não se deve assumir os compromissos celebrados no âmbito das PPP, evocando que o dinheiro suportado pelo Estado com essas parcerias permite pagar, por exemplo, pelo menos um dos subsídios (de férias ou de Natal) aos funcionários públicos. Comparam o que não é comparável, acabando implicitamente por reconhecer que a completa desonra dos acordos será a única resposta a um problema que o próprio País criou – convém ter presente que a representação estatal nos negócios das PPP foi feita por pessoas eleitas pelos cidadãos de forma democrática. O grupo de portugueses que preconiza a posição extremada de nada pagar seguirá uma abordagem demagógica, mais emotiva do que racional.
20. No lado oposto estão os que aceitam, pacientemente e sem pestanejar, que se deve cumprir todo o conjunto de compromissos assumidos, quedando‑se por salvar o que ainda é possível. Neste sentido, pouco mais tem sido feito do que renegociar migalhas, pois vem‑se assistido a uma tímida renegociação – renegociação teatral –, que consiste tão‑só em exigir menos responsabilidades às entidades concessionárias, para que elas abdiquem de uma parte da receita futura que estava explícita ou implicitamente contratualizada. Entre o silêncio mordaz e a informação nublada que caracterizam as PPP, consegue depreender‑se que a renegociação tem passado exclusivamente por duas vias: pela suspensão (ou pelo cancelamento) de obras programadas, e pela reformulação de serviços conexos às concessões.
21. Por outras palavras, e dando um exemplo simples de cada uma destas duas vias de renegociação teatral, para ilustrar o quão ténue e equívoca tem sido a apregoada poupança em relação às PPP: as situações em que se encontrava contratualmente prevista a construção de um troço de uma autoestrada e a concessionária admite cancelar a obra, por iniciativa do Estado, não tendo este de suportar o custo futuro (ainda para mais em condições economicamente absurdas ou leoninas, conforme já foi referido na última parte do ponto 14); e os casos onde a concessionária deixa de ser responsável pelo serviço de manutenção de uma determinada infraestrutura – passando‑o para a esfera pública –, diminuindo portanto o encargo da concessão. Claro que é uma renegociação em sentido literal, porquanto nos últimos anos as contas públicas têm sido aliviadas em várias centenas de milhões de euros.
22. No entanto é uma falsa renegociação; não são verdadeiras poupanças. No primeiro caso –e como teria de ser –, dado que o objeto da concessão é diminuído, o Estado não paga mais mas em contrapartida a obra não é realizada. No segundo caso, o Estado paga menos no imediato mas em termos de valor atual das responsabilidades transferidas para si pelas concessionárias – i.e., na óptica de longo prazo – o efeito líquido da renegociação será relativamente marginal, visto que quando houver necessidade de manutenção as correspondentes despesas ficarão a cargo do tesouro público. Os cidadãos mais críticos consideram que o anúncio de poupanças nas PPP ultimamente obtidas é um embuste; os mais moderados entendem que tal anúncio não é honesto e contribui para a desinformação dos portugueses, pois reflete apenas um lado da realidade – o lado imaterial.
23. Entre a bipolaridade explicitada na presente secção – o radicalismo de nada pagar, por um lado, e o contentamento com uma renegociação teatral, por outro – reside um par de soluções alternativas: ou a renegociação real – por oposição à renegociação teatral –, profunda e voluntária; ou, se esta falhar, a bruta mas eficaz fiscalidade. Como se explicará à frente, a renegociação real significa no fundo a substituição dos cortes cosméticos e camuflados que têm sido badalados – impercetíveis para a opinião pública e até ininteligíveis para a classe jornalística – por um rumo convicto em direção à redução das taxas internas de rendibilidade (TIR) implícitas nos investimentos realizados.
24. Os dados disponíveis são muito insuficientes para estimar os fluxos financeiros ocorrentes durante a maturidade dos contratos de concessão das PPP. Confirma‑se que o segredo é a alma do negócio. Somente as concessionárias, os bancos financiadores (nacionais e estrangeiros) e, quando muito, a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (criada com a publicação do Decreto‑Lei nº 111/2012, de 23 de maio, no qual foi aprovado o novo regime das PPP) disporão dos elementos requeridos para conhecer com rigor as TIR atrás mencionadas. Crê‑se no entanto que estas atingirão dois dígitos – a simples constatação de não ter havido desmentidos sobre a dimensão desmesurada das taxas indicia fortemente que a existência de TIR exageradas será um facto. Ao que já foi ventilado, algumas ultrapassam claramente os 15%.
25. Num verdadeiro Estado de direito, a verificação de taxas escandalosas seria suficiente para acusar as partes contratantes do crime de lesa‑pátria. Ambas as partes: por um lado, os representantes do Estado – diretamente, por tresloucada irresponsabilidade das decisões políticas e, indiretamente, por manifesta incompetência técnica para mensurar os impactos financeiros das decisões –; e, por outro, os representantes das entidades privadas – por eventual dolo no uso de informação privilegiada e por aproveitamento intencional do desconhecimento da outra parte (i.e., a parte pública). As PPP à moda portuguesa – por ora a identificação do que acontece nos outros países não é relevante para o assunto em apreço – traduzem‑se em contratos tristemente peculiares, onde o Estado assume o risco dos negócios mas paga como se estes contivessem um risco significativo, violando assim um dos princípios sobre o qual as PPP devem assentar e que se prende com a partilha simultânea de custos e de riscos entre os setores público e privado.
26. Tentemos avançar, procurando simplificar a relativa complexidade do assunto e indicando os termos em que se pode concretizar a renegociação real anunciada no ponto 23. Ou os privados pretendem manter em níveis altos as TIR dos investimentos efetuados; ou querem que o Estado continue a assumir, em última instância, o risco dos projetos. Se pretenderem manter as TIR, então tal objetivo terá de ser concretizado apenas com recurso às receitas dos projetos, ou seja, o Estado liberta‑se de todos os encargos que tem(6). Ao invés, se quiserem que o Estado assuma o risco de não verificação das ditas condições de equilíbrio financeiro dos projetos – vd. ponto 16 –, então as TIR terão de baixar drasticamente(7). Portanto, não há meio termo: ou TIR elevadas para riscos elevados, ou TIR reduzidas para riscos reduzidos. Entre os dois males para o setor privado – males porque para si o regime atual é ótimo –, naturalmente que o menor deles será a segunda opção, ou seja, o decréscimo significativo das TIR, por os privados preferirem – admite‑se – minimizar a exposição ao risco dos negócios intrínsecos às PPP.
27. Os que apostam na via da renegociação real pretendem trazer à colação as entidades concessionárias – e, claro está, as entidades financiadoras dos respetivos projetos –, apelando aos valores do bom senso e da racionalidade económica. De facto, se estes imperarem, tais entidades compreenderão o momento de peculiar dificuldade nacional –que passa inclusive pelo corte (até há alguns anos impensável para a maioria das pessoas) do valor nominal dos salários e das pensões. Como tal, e sob a mesma condição de aqueles valores prevalecerem, os privados terão a honestidade suficiente para reconhecer que não podem permanecer num oásis, ainda por cima quando estão em causa contratos abusivos para o Estado que, como foi salientado no início do penúltimo ponto, noutros países poderiam ser enquadrados como crimes e assim sendo tornados nulos inevitavelmente, com a correspondente produção de efeitos retroativos que daí por força adviria.
28. Há a perfeita consciência que não é muito plausível o cenário de imediata renegociação real por parte das entidades privadas envolvidas nas parcerias. Não apenas porque seria uma forma de elas reconhecerem que têm estado a extorquir montantes racionalmente injustificados, como pela vantagem que têm em protelar a renegociação (pois para quanto mais tarde se adiar a solução, melhor será para os seus interesses). Por tudo isso, e dado que, no presente caso, o tempo vale mesmo muito dinheiro – o prejuízo para o Estado cresce a cada instante que passa –, resta a via fiscal – «bruta mas eficaz», como se adiantou também no ponto 23. Esta via consiste em instituir um imposto especial que permita corrigir o passado – ou melhor, corrigir efeitos futuros decorrentes de atos contraídos no passado –, levando as taxas usurárias de dois dígitos para cerca de metade ou menos.
29. Na senda de modificar a situação das PPP, não é de excluir a hipótese de o Estado aplicar soluções fiscais que não só abranjam os encargos vincendos mas igualmente os já vencidos. Ao contrário do que se possa pensar, tal não significa a violação do princípio da não retroatividade, atendendo a que se a medida for definida de forma correta e ponderada, não se aplica formalmente a exercícios passados; só se aplica para o futuro, embora tenha em conta todo o período de vigência dos contratos e não a maturidade residual dos mesmos. Trata‑se de uma medida fiscal que o Estado poderá adotar dentro da legalidade. Não obstante, para evitar controvérsia acrescida e relativamente desnecessária, é preferível que a correção imposta pelo Estado se restrinja ao futuro, isto é, somente aos encargos vincendos.
30. As entidades concessionárias e financiadoras poderão reclamar e inclusivamente levar o assunto aos tribunais, quiçá ao Tribunal de Justiça da União Europeia, até porque elas ter‑se‑ão defendido, dos pés à cabeça, contra todos os riscos, possíveis e imaginários, incluindo o risco de alteração da carga fiscal. Contudo, face à evidente situação lesiva causada pelas PPP ao nosso País, e à gigantesca circunstância deficitária em que Portugal se encontra, qualquer juiz ponderado entenderá a proporcionalidade e a justeza da medida fiscal encetada, acabando por homologar que esta é a solução mais pertinente para cortar o nó górdio das PPP. Nada fazer, por temer as consequências de uma eventual condenação do Estado português, é um ato de infame cobardia perante o povo.
31. Na verdade, se o Estado vier a ser julgado por nacionalizar, através de mecanismos fiscais, uma porção dos lucros contratualizados no passado, os responsáveis nacionais defender‑se‑ão de que se tratou da resposta patriótica possível mais eficaz para corrigir –atenuar, para ser mais rigoroso – a espoliação de uma parte da riqueza do País, isto é, de que foi a melhor forma de honrar a grandeza do bem coletivo em detrimento do interesse privado desproporcionado e injusto. A irreversibilidade contratual das PPP é um argumento desprovido de razão, ou melhor, a razão desse argumento começa quando findar a irracionalidade de cobrar encargos ao Estado para alimentar lucros especulativos extraídos de negócios com risco mínimo. O Estado e os portugueses não imploram esmolas nem comiseração do setor privado; exigem tão‑só respeito pelo sacrifício por que estão a passar.
32. Sinceramente ansiamos acreditar que a adoção de impostos para disciplinar o statu quo –à semelhança do que será prosseguido, de acordo com o que está previsto, no caso das empresas produtoras de eletricidade, com o objetivo de cortar as rendas excessivas no setor energético pagas pela fazenda pública – não se repercutirá no aumento dos preços finais. Caso contrário, seria uma imperdoável afronta ao povo português – manso mas não tanto.

D. Dimensão e utilização das poupanças anuais


33. Por vontade própria ou por imposição do Estado, é para a mudança de regime de funcionamento das PPP que as entidades concessionárias e financiadoras se devem deslocar. Conforme mencionado na última frase do ponto 26, admite‑se que os privados, mesmo num cenário de renegociação real dos contratos, preferirão baixar fortemente as TIR, em vez de assumir o risco dos negócios. Reduzi‑las dos atuais dois dígitos para taxas entre 5 e 6%, mantendo o nível de risco – nível que consiste na ausência de risco para os privados –, corresponde seguramente a um negócio com bom custo de oportunidade para o setor privado. Taxas superiores a essas representam, em substância, a transferência de uma parte material da riqueza do País para a propriedade de uma minoria, situação que não se compadece com a natureza das concessões em questão nem com os riscos a que as partes estão efetivamente expostas.
34. Com base nos elementos incluídos na Conta Geral do Estado de 2012 – como fora realçado no ponto 24, a informação sobre as PPP é escassa e quase misteriosa –, o valor médio anual para a próxima década relativo aos encargos líquidos suportados com as PPP será de aproximadamente 1100 milhões de euros (a preços constantes de 2012). Assim, admitindo que a TIR dos projetos ronda os 12%, estima‑se que a renegociação das taxas para metade (i.e., 6%) originará poupanças anuais de 40% para o Estado, que ascenderão portanto, em média, a cerca de 440 milhões de euros. A partir do décimo ano, as poupanças, ainda que significativas, serão decrescentes.
35. Para aferir melhor o descalabro que as PPP simbolizam para a Nação, talvez seja adequado tentar identificar os três maiores escândalos ou buracos financeiros da nossa história. Certamente lembrar‑nos‑emos de imediato dos casos Alves dos Reis, BPN e PPP(8). A ordem é essa, seja em termos cronológicos ou de prejuízo para o País, se se mantiver a situação atual das PPP.
36. A medalha de bronze iria para o burlão Alves dos Reis, cujas perdas para o Estado superaram ligeiramente 1% do PIB. Assistir‑se‑ia depois a uma luta renhida entre o BPN e as PPP. Seria provável que, no final da contenda, a medalha de prata estivesse reservada aos fraudulentos que puseram o BPN na falência, face à qual o País teve de aceitar imparidades e o Estado foi obrigado a injetar capital, materializando no seu conjunto verbas que muito provavelmente chegarão a 3% do PIB. Assim, o vil ouro condecoraria os ardilosos das PPP. Independentemente de quem venha a ser o campeão, a suprema constatação é o palmarés angustiante e desprestigiante que Portugal consegue acumular nestes últimos anos(9).
37. Por se tratar de um caso que já tem quase um século de história, e como tal o seu impacto está há muito definitivamente quantificado, a posição da falcatrua do Alves dos Reis no pódio é fácil. O mesmo não se passa com os outros dois casos. No crime do BPN, o balanço ainda não está encerrado porque depende da recuperação (não muito provável) de ativos financeiros que estavam fora da órbita do banco propriamente dito, embora até ao momento o prejuízo final global(10) se situe à volta de 3% do PIB, como foi indicado no ponto precedente.
38. A ascensão ao panteão dos vícios por parte das PPP tem subjacente o expectável valor atual das despesas plurianuais do Estado que excedem a taxa de rendibilidade de 6%, relativamente ao período residual dos contratos de concessão – ou seja, estão excluídas as compensações atribuídas pelo Estado reportadas a exercícios passados. Se não se vier a inverter o rumo dos atuais contratos das PPP, a derrota para as contas nacionais constituiria a maior indignação financeira da nossa história, com a agravante de ser branqueada com o beneplácito de instituições internacionais.
39. A verba anual de 440 milhões de euros constante do ponto 34 daria para impulsionar a atividade económica e atenuar o endémico nível de desemprego, seja descendo a taxa de IVA, para dinamizar a procura interna(11), seja baixando as taxas de IRC para as empresas do setor exportador de bens transacionáveis, de modo a tornar as exportações mais competitivas. Com efeito, uma redução fiscal, em 2012, de cerca de 3% na receita proveniente do IVA, ou de aproximadamente 10% na receita oriunda do IRC, equivale a um montante na ordem das quatro centenas de milhões de euros. Eis a estimativa da magnitude da ingenuidade do Estado e da avareza das concessionárias e da banca (nacional e estrangeira) financiadora dos projetos(12).
40. Outra aplicação sensata das poupanças geradas com as PPP passaria por finalizar as obras interrompidas aquando da chegada da troika a Portugal – tal não representa iniciar a construção de obras entretanto canceladas mas apenas recomeçar as obras suspensas e ainda por cima com condições de equilíbrio financeiro que se esperam bem definidas. Esta deveria ser a aplicação prioritária, pois poria cobro à situação deplorável que grassa em várias zonas do território nacional, em que espaços de vida foram desventrados e substituídos por cemitérios de pilares e betão armado abandonados a céu aberto.
41. Há ainda a possibilidade – tão nobre quanto as que passam pelo alívio das taxas de IVA ou de IRC – de canalizar a poupança gerada para a amortização da dívida pública. Para trilhar a vontade de acelerar a liquidação da dívida – pura utopia, responderá a maioria das pessoas(13) – será necessário bastante mais, visto que a poupança obtida com as PPP é insignificante face ao montante requerido para o efeito. Contudo, deve reconhecer‑se que qualquer medida tomada no sentido de procurar regularizar mais depressa a dívida ou de evitar a contração de dívida adicional será muito bem‑vinda.
42. Face ao exposto, urge estancar depressa a sangria, para que o nosso regime democrático consiga manter alguma credibilidade e possa transmitir aos portugueses sinais de vitalidade e energia. Criado o mal (das PPP), há que corrigi‑lo, dignificando o legítimo interesse dos contribuintes e provando que os políticos eleitos pelos cidadãos revelam coragem para prosseguir o benefício comum. O povo português não é assim tão rico nem tão frouxo que se dê ao luxo de desperdiçar mais de um milhão de euros por dia.

(1)  FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social.
(2)  A prática permite constatar que não tem existido competência analítica para decifrar os assuntos que se afastam da norma e para decompor os vários riscos envolvidos. Os contratos de troca de taxas de juro celebrados entre o Estado e instituições financeiras – swaps de taxas de juro – são apenas mais um exemplo a acrescentar ao rol das incompetências.
(3)  Se os órgãos técnicos aconselharam adequadamente os decisores, então não se coloca a questão da incompetência dos primeiros e, em contrapartida, a irresponsabilidade dos últimos assume contornos ainda mais problemáticos. Cremos não ter sido o caso.
(4)  Pelo que tem vindo a lume, a maioria dos projetos rodoviários tem subjacente um volume de tráfego irrealista em condições económicas normais. Seria portanto expectável de antemão que, ao mínimo sinal de abrandamento económico, o Estado fosse chamado a assumir os encargos criados com os erros de estimativa. Dadas as condições de equilíbrio financeiro estabelecidas, para os privados das PPP lusitanas é irrelevante se os erros são ínfimos ou grosseiros, o que é paradigmático de uma contratualização perfeitamente desajustada face à desejável sustentação lógica.
(5)  Convém esclarecer que desse povo fazem parte todos – pobres e ricos, ideologicamente mais próximos ou mais afastados entre si – que não usufruem dos negócios das PPP.
(6)  Para efeitos desta opção seria perfeitamente lógico que os contratos fossem renegociados no sentido de dilatar o prazo de concessão, de modo a que os privados dispusessem de tempo suficiente para recuperar o dinheiro investido. Previamente seria necessário calibrar os modelos previsionais para obter projeções credíveis das receitas futuras dos projetos.
(7)  Também aqui os contratos de concessão terão de ser modificados, de modo a refletirem, após a calibragem dos modelos previsionais, razoáveis e verosímeis condições de equilíbrio financeiro.
(8)  Os contratos de derivados de swaps de taxas de juro ainda em vigor constituem uma situação relativamente diferente, na medida em que os fluxos financeiros dependem de uma variável exógena (pelo menos para o Estado): as taxas de juro Euribor. Esta observação não constitui no entanto qualquer atenuante para a irrefutável imprudência manifestada aquando da celebração dos contratos, imprudência que está, aliás, alinhada com o que fora indicado a propósito das incompetências dos órgãos técnicos estatais – vide primeira nota de rodapé do ponto 14.
(9)  Esperemos que o palmarés não cresça. Não querendo agourar, convém notar que pode haver outras injeções de capital, já efetuadas pelo Estado em instituições bancárias nacionais, que se venham a traduzir em prejuízos para os contribuintes, se as instituições não conseguirem devolver o dinheiro injetado. Seria mais um grave revés para as contas públicas.
(10) O prejuízo final global corresponde à soma da injeção de capital feita pelo Estado com as imparidades dos ativos que têm sido (e porventura continuarão a ser) reconhecidas em vários exercícios económicos.
(11) A quantia poupada anualmente decorrente da correção fiscal aplicável às PPP – ou a equivalente renegociação real – corresponderá a quase metade do acréscimo das receitas, de 2011 face a 2010, proveniente do aumento da taxa normal de IVA de 21 para 23% e da eliminação da taxa reduzida sobre a eletricidade e o gás natural.
(12) Convém realçar que, apesar de o Banco Europeu de Investimento (BEI) ser, em última instância, o principal financiador das PPP dentro do espaço europeu – relembre‑se uma das suas primeiras intervenções, em 1987, no túnel do Canal da Mancha (apenas inaugurado em 1994), sem a qual seria quase impossível a construção da fantástica obra –, não está ao mesmo nível dos demais bancos que financiaram o projeto. O BEI, por dispor de uma elevada qualidade creditícia, concede crédito aos bancos europeus cobrando spreads diminutos. Assim, a agiotagem vigente nas PPP portuguesas não envolve diretamente o BEI mas sim os bancos que se financiaram junto do BEI a taxas muito baixas e usaram o dinheiro desse financiamento para satisfazer as necessidades do Estado português a taxas elevadíssimas e totalmente desproporcionadas face aos riscos incorridos nas concessões.
(13) Há medidas duras mas equitativas que podem ser adotadas. Fiquemo‑nos por aqui, para não nos afastarmos do tema central em análise, ou seja, as PPP.


15 de novembro de 2013

quinta-feira, 2 de julho de 2020

As PPP lusitanas e a desinformação jornalística

As PPP lusitanas e a desinformação jornalística (05/09/2015)




Com relativa frequência somos presenteados com notícias sobre a poupança que o Executivo tem granjeado ao longo da atual legislatura, respeitante à renegociação dos contratos de parcerias público-privadas (PPP), e que se cifra – de acordo com as últimas notícias veiculadas – em cerca de 7,4 mil milhões de euros. Os ouvintes e os leitores mais distraídos não ligam. Outros, impelidos por mera curiosidade ou ceticismo, perdem uns minutos e vasculham as notícias. Rapidamente desvendam o mistério.

O descrédito deriva de o montante dos 7,4 mil milhões de euros ilusoriamente poupados em PPP (que na circunstância em apreço restringem-se às PPP rodoviárias) englobar duas realidades incomparáveis: o diferimento de custos – logo, poupanças falsas – e a diminuição de custos – aí sim, o alfa e o ómega das poupanças efetivas. Como agravo capital, a astronómica quantia putativamente poupada não é desagregada nas várias componentes. Ou seja, nada é mencionado acerca das poupanças falsas referentes quer (A) à suspensão (ou ao cancelamento) do objeto da concessão, quer (B) ao corte dos custos de manutenção, assim como não há qualquer identificação da poupança efetiva atinente (C) à redução da taxa de retorno financeiro dos concessionários.

Ao invés, os desatentos profissionais da comunicação social continuam a cair na teia da desinformação, colocando tudo no mesmo saco do lixo. Para melhor explicar a necessidade de se destrinçar a Estrada da Beira da beira da estrada, retomem-se alguns excertos do documento anexado ao post «PPP lusitanas – Das permanentes fantasias à efetiva solução», de novembro de 2013, constantes dos pontos 20 a 22. Adiante-se que o alcance principal de tal post foi apelar as consciências para a importância central de assegurar a redução da taxa de retorno acima expressa.

«(…) pouco mais tem sido feito do que renegociar migalhas, pois vem-se assistido a uma tímida renegociação – renegociação teatral –, que consiste tão-só em exigir menos responsabilidades às entidades concessionárias, para que elas abdiquem de uma parte da receita futura que estava explícita ou implicitamente contratualizada. Entre o silêncio mordaz e a informação nublada que caracterizam as PPP, consegue depreender-se que a renegociação tem passado exclusivamente por duas vias: pela suspensão (ou pelo cancelamento) de obras programadas, e pela reformulação de serviços conexos às concessões.» Referência direta às denominadas poupanças falsas – poupanças (A) e (B), respetivamente.

«Por outras palavras, e dando um exemplo simples de cada uma destas duas vias de renegociação teatral, para ilustrar o quão ténue e equívoca tem sido a apregoada poupança em relação às PPP: [poupança (A)] as situações em que se encontrava contratualmente prevista a construção de um troço de uma autoestrada e a concessionária admite cancelar a obra, por iniciativa do Estado, não tendo este de suportar o custo futuro (…); e [poupança (B)] os casos onde a concessionária deixa de ser responsável pelo serviço de manutenção de uma determinada infraestrutura – passando-o para a esfera pública –, diminuindo portanto o encargo da concessão.»

Conquanto seja uma renegociação em sentido literal, não passa de uma falsa renegociação, pois não são geradas verdadeiras poupanças avultadas. «No primeiro caso – e como teria de ser –, dado que o objeto da concessão é diminuído, o Estado não paga mais mas em contrapartida a obra não é realizada. No segundo caso, o Estado paga menos no imediato mas em termos de valor atual das responsabilidades transferidas para si pelas concessionárias – i.e., na óptica de longo prazo – o efeito líquido da renegociação será relativamente marginal, visto que quando houver necessidade de manutenção as correspondentes despesas ficarão a cargo do tesouro público. Os cidadãos mais críticos consideram que o anúncio de poupanças nas PPP ultimamente obtidas é um embuste; os mais moderados entendem que tal anúncio não é honesto e contribui para a desinformação dos portugueses, pois reflete apenas um lado da realidade – o lado imaterial.»

Poupança propriamente dita com a renegociação dos contratos de PPP ocorre quando há a poupança (C): o abaixamento das taxas internas de rendibilidade (TIR) implícitas nos investimentos efetuados. Não explicitar a verba afeta a este tipo de poupança equivale à ocultação, voluntária ou não, da crua e amarga realidade. Todavia é uma matéria que subsiste coberta por uma densa escuridão, pelo menos para a opinião pública. Traga-se à colação o ponto 24 do supraindicado documento de novembro de 2013.

«Os dados disponíveis são muito insuficientes para estimar os fluxos financeiros ocorrentes durante a maturidade dos contratos de concessão das PPP. Confirma-se que o segredo é a alma do negócio. Somente as concessionárias, os bancos financiadores (nacionais e estrangeiros) e, quando muito, a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (criada com a publicação do Decreto-Lei nº 111/2012, de 23 de maio, no qual foi aprovado o novo regime das PPP) disporão dos elementos requeridos para conhecer com rigor as TIR atrás mencionadas. Crê-se no entanto que estas atingirão dois dígitos – a simples constatação de não ter havido desmentidos sobre a dimensão desmesurada das taxas indicia fortemente que a existência de TIR exageradas será um facto. Ao que já foi ventilado, algumas ultrapassam claramente os 15%.»

Estas TIR escandalosas são típicas das PPP lusitanas, celebradas – saliente-se – por Governos anteriores aos de hoje. Decorrem «da ingenuidade do Estado e da avareza das concessionárias e da banca (nacional e estrangeira) financiadora dos projetos» – ponto 39 do citado documento. Grande parte da fundamentação para a sua origem encontra-se plasmada na nota de rodapé n.º 21. «Convém realçar que, apesar de o Banco Europeu de Investimento (BEI) ser, em última instância, o principal financiador das PPP dentro do espaço europeu (…), não está ao mesmo nível dos demais bancos (…). Assim, a agiotagem vigente nas PPP portuguesas não envolve diretamente o BEI mas sim os bancos que se financiaram junto do BEI a taxas muito baixas e usaram o dinheiro desse financiamento para satisfazer as necessidades do Estado português a taxas elevadíssimas e totalmente desproporcionadas face aos riscos incorridos nas concessões.»

Urge distinguir a luz da cegueira. Divulgar para a chusma poupanças camufladas desconhecendo a dimensão do que genuinamente tem interesse não passa de desperdício de tempo. Porventura trata-se de um soundbite, emanado pelos vulpinos assessores de imprensa de um reduto de outra verdade, ou antes revelador dos inócuos mensageiros da informação encriptada.

Publicar sounbites, ou melhor, bitaites, nos moldes disfarçadamente imaculados em que a informação é recebida demonstra mau serviço, que contribui para uma opinião pública cada vez mais desinteressada pelos assuntos do país. A liberdade de imprensa deve estar intimamente ligada à responsabilidade pela qualidade da imprensa. Para separar o trigo do joio basta passar a informação recebida pelo crivo do espírito crítico. É um contributo imprescindível para a solidificação da democracia.

sábado, 27 de junho de 2020

PPP lusitanas – Das permanentes fantasias à efetiva solução

PPP lusitanas – Das permanentes fantasias à efetiva solução (18/11/2013)





Até há alguns anos era quase um sacrilégio ousar questionar as parcerias público-privadas (PPP) celebradas em Portugal. Quem duvidava dos que papagueavam as virtudes dessas parcerias e defendia que tinham uma natureza opaca era sarcasticamente apelidado de retrógrado ou algo similar. O tempo veio confirmar mais uma vez que a mentira tem perna curta e por isso acabou por ser apanhada. Foi preciso estarmos no meio da onda da crise para nos libertarmos da cegueira. Perante o que parece ser irresolúvel, mais vale tarde do que nunca.

As PPP portuguesas são um caso bastante elucidativo do estado em que se encontra a Nação. Dinheiro a rodos e crédito fácil e barato deram o mote. Os vícios que têm assolado a nossa democracia, designadamente a megalomania, a desorçamentação, a irresponsabilidade, a incompetência e a resignação, fizeram o resto. Em matéria de vícios, a culpa não morre solteira; afeta tanto a comunidade política como a população em geral.

Apesar de ser financeiramente anormal, a combinação de elevadas taxas de rendibilidade com níveis mínimos de risco constitui a regra vigente nas PPP lusitanas. Não pagar às concessionárias é uma opinião demagógica e sem fundamento racional. Todavia, pouco melhor é a ideia dócil de cumprir à risca aquilo que os políticos firmaram em nome do Estado português, nos termos leoninos que foram contratualizados. Os contratos de concessão assumem matizes de crimes de lesa-pátria no domínio financeiro. Num país democrático na verdadeira aceção do termo, em que a função-utilidade da causa pública não é uma pura miragem, as PPP existentes em Portugal seriam anuladas, por uma mera questão de serem altamente lesivas para o legítimo interesse do bem comum.

Não se compreende como nós, portugueses, tolerámos que a extorsão atingisse tamanhas proporções. As PPP são um labirinto dinamitado, que porventura a troika tinha noção – não tanto o Fundo Monetário Internacional mas antes a União Europeia e o Banco Central Europeu. É igualmente aflitivo como o tema das PPP tem sido tão mal colocado na opinião pública, a qual acaba por ser esculpida com argumentos sofísticos que atormentam a verdade e desrespeitam a lucidez dos portugueses. Da caixa negra das nossas PPP apenas brotam os elementos sub-reptícios que mais convêm aos agentes envolvidos.

Para grandes males, grandes remédios. O remédio mais eficaz é a via fiscal. Na verdade, uma fiscalidade adequada – ou uma improvável renegociação profunda e voluntária por parte do setor privado –, que tenha subjacente a correção do instalado e branqueado descalabro financeiro, conduz a poupanças diárias superiores a um milhão de euros. A aplicação dessas poupanças servirá para impulsionar a atividade económica cada vez mais exaurida, nomeadamente para reduzir as taxas de IVA ou de IRC, ou para terminar as obras públicas incompletas. Basta crer honestamente nas medidas e ter coragem para encarar de frente a irracionalidade de quem defende a situação em vigor. Nobres e corajosos não são os que respeitam as regras por temer a derrota; são os que lutam pela verdade e pelas suas convicções, sem pensar sequer na derrota.

Se a cobardia política se impuser, o caso do Banco Português de Negócios será secundarizado pelos contratos de concessão das PPP em termos de impacto para as contas nacionais. O rombo financeiro perpetrado por Alves dos Reis nos anos 20 do século passado é uma sombra em relação ao escândalo associado ao descontrolo das contas públicas provocado pelas PPP. Entre aquele rombo, que foi ilegal, e este escândalo, que é imoral, os contribuintes certamente manifestarão uma relativa simpatia pelo primeiro, por ser um mal menor. Algo está mal quando, no meio da conspurcação de valores, se deseja enveredar pela ilegalidade. Mas pior do que isso é o facto de o povo português não ter direito a escolher; é obrigado a aceitar os dois males.

Convém pensarmos seriamente no que somos e – se não for grande exigência – no que pretendemos ser. Já que em nós não tem abundado o amor-próprio, pelo menos que, por dignidade, respeitemos os nossos pais e antepassados que fizeram de nós portugueses e por isso façamos um exercício de autorreconhecimento. Ignorância, egoísmo e medo são certamente os principais ingredientes que nos impedirão de refletir. Não acreditemos que sejamos tão ignorantes, egoístas e medrosos como a realidade tenta demonstrar. Também cumpre afastar a hipótese de que a forte dosagem de hipnóticos que temos tomado nos impeça de acordar para a verdade.


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