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sexta-feira, 3 de julho de 2020

Catraio de quase 10 anos – Da origem ao destino

Catraio de quase 10 anos – Da origem ao destino (01/01/2016)

(#)


Construção

O Catraio atualmente não dispõe de alma nem de condições físicas para sentir a agitação das águas. A sua âncora encontra-se deformada; os seus cabos estão entrelaçados; as suas velas cheiram a mofo; as suas cores apresentam-se mortas. O barco não vislumbra horizonte porque está triste. O horizonte alcança-se com o contributo de todos os navegantes, munidos de força e saúde para se lançarem à aventura.

Ele aceita que por opção os seus marinheiros não se façam ao mar; mas rejeita que outros sejam forçados a ficar em terra. Não obstante, e dado que dentro de sete meses, precisamente no próximo dia 31 de julho, celebrar-se-á a primeira década após o lançamento oficial do Catraio à água, pode agora esboçar-se um balanço dos quase 10 anos de vida.

Durante o período – cerca dum ano – que esteve no estaleiro em gestação, houve a colaboração graciosa de mareantes de várias áreas. Uns provieram da marcenaria, da artesanal à moderna; os demais, para complementar os primeiros, e porque o intuito consistia em construir um barco que conjugasse tradição com inovação, vieram doutras bandas, inclusivamente da serralharia e da eletricidade.

Não se sabia exatamente qual seria o resultado final, pois dependeria da articulação do trabalho dos intervenientes. Apenas se estava ciente do almo desejo de levantar uma embarcação diferente das restantes; uma que pudesse sair das águas regulares, ou melhor, que pudesse desvendar também a sorte das marés mais turbulentas, onde os catraios normais não se arriscam a entrar. Esse desejo fecundo constituía o desiderato do marceneiro principal – e autor do projeto –, que tantas vezes laborou sozinho sob pena de o barco enraizar na doca seca.

Como sucede com qualquer embarcação, existe um limite físico para a capacidade de transporte e de carga. Nado e criado para não desistir, a peculiaridade do Catraio decorre do facto de viajar sem limites para o infinito das imagens dos seus tripulantes. O mar é imenso e sujeito ao imprevisível devir da navegação, pelo que não só na imensidão cabem todos os barcos que se imaginem, como sobretudo o mar merece ser valorizado com catraios de diferente jaez.

Logo ao início da construção do Catraio tinha-se a plena consciência que a identidade dele reside no empenho e no orgulho dos seus marujos. Desprovido de protagonismos de (co)mando e munido de antagonismos de trajetória, a sua esteira tem-se revelado assaz discreta. Sem porão majestoso nem gávea sumptuosa como noutras embarcações afamadas e porventura jactantes, orgulha-se em ter uma quilha que desbrava pensamentos, e em ostentar à proa uma flâmula que desfralda a insígnia da «liverdade».

Tripulação

O Catraio agrega a diversidade das decisões tomadas pelos seus marinheiros em pontos não programados do tempo e do espaço. Apesar de formalmente ter sido registado por cinco indivíduos – requisito exigido à generalidade dos barcos, para que disponham da necessária existência jurídica e assim poderem entrar no mar –, qualquer pessoa pode desfrutá-lo desde que o conserve e promova a sua missão.

Por isso ele não tem mestre. Legalmente impõe-se que haja um; não obstante, o posto de mestre é ocupado por cada mareante que se abalance a levantar a âncora, a desprender os cabos, a desfraldar as velas, a retocar a pintura com as cores da energia. Basta que saiba utilizar o leme com segurança – segurança do próprio, dos outros e, não menos importante, da embarcação.

Apesar de tamanha flexibilidade, o uso dado ao Catraio tem sido intermitente, consoante as tatuagens inscritas na alma dos navegadores. Nos primeiros anos da infância, ele mereceu a atenção de muita gente, tivesse ou não participado na sua construção, tal o arroubo de saborear a liberdade do horizonte. Porém, volvido o sentimento fugaz da novidade, vários marujos escolheram outros barcos para se dirigirem à chegada das suas ideias. Por justificável cansaço ou preocupante insatisfação, alguns terão voltado as costas às coordenadas que genuinamente haviam abraçado ao princípio e bandearam-se para diferentes paragens.

Conquanto neste catraio avantajado em boa-fé exista lotação para dezenas de pessoas, em cada percurso realizado o número de marinheiros não ultrapassa, por norma, a sua idade petiz. Metade deles costuma ser regular nas saídas realizadas, constituindo uma espécie de núcleo residente; a metade sobrante vai mudando consoante as trajetórias selecionadas. O que praticamente nada muda é o número total de presenças.

Se se pretendesse substituir a água por terra, a embarcação poderia transformar-se numa carrinha de nove lugares. Mesmo surgindo um ou dois passageiros à última hora e excedendo por isso a lotação constante do livrete, não faltaria espaço para acomodar todos os viajantes. Todavia, para fazer jus à motivação inicial que o barco recolheu de muitos, o seu fado não poderá quedar-se amarrado a um cais a flutuar ao bel-prazer das marés. Enquanto houver mar os trajetos não se fazem por terra, e enquanto existir (nem que seja) um mareante não faltará Catraio.

Rotas

Por o Catraio ser polivalente e comunitário, não admira que cada marujo trace o rumo mais aprazível e assuma os riscos inerentes. Uns preferem zarpar de dia, outros de noite; uns para norte, outros para sul; uns sozinhos, outros acompanhados. Eis porque, com percursos plus ultra face ao seu habitat natural, a embarcação tem sido mais versátil do que se imaginara.

Começou por fazer abordagens à orla das águas salobras, em regra serenas, do seu ambiente típico, o Mar da Palha, mas depressa conheceu quer o recôndito das águas doces, quer o âmago das águas salgadas, consoante os interesses dos seus tripulantes. Como a viagem à cabotagem manifesta-se arriscada, apesar de mais visível, é frequente navegar-se em mar alto, por não ser tão perigoso. Argumento aparentemente paradoxal, há que reconhecer.

Porém não tanto assim porque para alguns marinheiros a autenticidade reside nas rotas que não dominam, pois entendem que desse modo é menos provável deixarem-se enganar pelos vícios da navegação de rotina criados involuntariamente. Por conseguinte, existem aqueles que, com o receio de se enganarem, exploram os mares que teoricamente dominam; e não rareiam outros que, para não falharem demasiado, afrontam conscientemente as profundezas desconhecidas.

Em parte pela multiplicidade de técnicas de navegação, o barco já conta com relatos invulgares: desde os episódios onde, por aspirações de os passageiros obstinados levarem o Catraio para poljes inundados, o casco ficou encalhado nas copas de árvores depois de as águas desaparecerem; até aos momentos em que, por erros de inscrição dos portulanos ou de manuseamento dos nónios, os viajantes desenvoltos colocaram marcos geodésicos no meio do oceano.

Embora haja vencedores e vencidos quanto aos resultados alcançados, deuses e catão procuram sintonizar-se. Independentemente da eficácia ou da eficiência das viagens realizadas, não há caminhos perdidos. Os rumos revelam-se sempre férteis e refletem a fidelidade que os mareantes lhes depositaram. Apesar de ainda imberbe, a embarcação acumula muitas experiências, o que torna possível catapultá-la para o sonho alado de navegar sem tocar nas ondas.

Dispõe duma razoável base de rotas, sejam saídas atribuladas a ideias que os pertinazes marinheiros queiram seguir, sejam explorações de ignotos argonautas em alto-mar adentro que faz do barco uma realidade acrescidamente arrojada e sagaz. Acolhe todos os percursos e dispensa a pompa de anúncios prévios ou de newsletters publicitárias. Faculdades que lhe permitem que literalmente singre para o destino que cada tripulante almeje ou que o núcleo residente anseie. Não há trajetórias boas ou más; todas constituem o perene destino da embarcação de (menos de) 10 anos. Com força e saúde para os seus mareantes não faltará ânimo ao Catraio para cortar os ventos e as marés.

(#) Imagem extraída do documento «quizz de barcos | ENTRE PONTES», publicado pelo Ecomuseu Municipal do Seixal

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Eclipses dos sistemas de pensamento

Eclipses dos sistemas de pensamento (20/03/2015)



Dependendo do capricho das nuvens que passarem pelo nosso território, hoje de manhã poderá observar-se um eclipse solar, período em que a Lua ocultará parcial e momentaneamente a Terra para segredar com o Sol. Eis portanto a altura ideal para refletir acerca doutro tipo de eclipses relativos à comunicação encoberta ou desfocada em função da densidade das nuvens. Trata-se dos (bastante mais regulares) eclipses dos sistemas de pensamento que, como a designação destes sistemas evidencia, envolve a suprema energia, a mais sumptuosa e universal de todas: o pensamento.

O brilho que orienta – e sustenta – os sistemas de pensamento oriunda dos feixes luminosos emitidos quer isolada quer agrupadamente. Há vários tipos de feixes isolados, designadamente: alinhados, neutrais e não-alinhados. Sobre a luz que dimana do grupo de feixes – e que por sua vez deriva do aproveitamento dos feixes isolados –, ela pode segmentar-se em três partes: a luz institucional propriamente dita; a luz interna, iridescência libertada na sequência da atividade dos feixes grupais; e a coluz (ou co-luz, segundo o anterior acordo ortográfico), à guisa da coautoria de energias resultantes da conjugação de diferentes raios.

Adiante-se que os mencionados feixes isolados podem ser exclusivos ou partilhados, na aceção de que são difundidos para um único sistema, ou na perspetiva de que iluminam mais do que um sistema, respetivamente. O quadro seguinte apresenta, de forma quantitativa, um exemplo real referente à origem da difusão de luz natural – por oposição à luz artificial – intrínseca aos sistemas de pensamento.



A cintilação dominante (74%) é projetada pelos feixes alinhados e neutrais. Por provirem de qualquer celestino ponto, seja da esquerda, do centro ou da direita, eles constituem o Sol dos sistemas de pensamento. Por seu turno, os feixes não-alinhados correspondem a 23% do total de luz natural, e caracterizam-se por uma menor diversidade de emissão, porquanto têm origem entre o centro-esquerda e o centro-direita dos planos espaciais. Consistem nos raios lucilantes, representando o brilho invisível durante o dia mas fundamental para guiar os pensadores ao longo da noite, não apenas na fase fácil da lua cheia.

Associando o Sol criador aos feixes alinhados e neutrais, e a Lua vulgar (ou a Lucina misteriosa) aos não-alinhados, os remanescentes e exíguos 3% de luz encontram-se adstritos ao grupo de feixes – i.e., à luz institucional, à luz interna e à coluz. São resíduos brilhantes que residem na Terra, a qual capta os raios consoante, por um lado, a posição dela face ao Sol e à Lua e, por outro, a distância entre estes dois astros. Para além disso, é através da superfície e da atmosfera terrestres que se propaga a energia necessária à regeneração dos feixes isolados.

Cada luminosidade incorpora a sua especificidade. Quando, no decurso de impulsos internos naturais, ou em resultado de forças externas artificiais, os vários conjuntos de luzes ficam alinhados, ocorrem os eclipses. Um deles, o eclipse lunar dos feixes não-alinhados – deveras conhecido no domínio dos sistemas de pensamento –, surge quando o grupo de feixes se coloca entre os raios não-alinhados e os raios alinhados e neutrais. É salutar este género de eclipses, desde que os acontecimentos sejam relativamente episódicos, ou melhor, desde que os eclipses derivem de impulsos internos aos sistemas e não de forças externas.

Acaso se tente condicionar o ciclo implícito dos impulsos internos e impor uma dinâmica anormal das forças externas, todos os astros deixam de funcionar normalmente. Aos feixes grupais – que contribuem tão-só com 3% do universo de luz natural, conforme explicitado –, cumpre assumirem a sua imaterialidade e reconhecerem que o seu peso cintilante somente poderá aumentar se for respeitada a relação melodiosa entre os feixes alinhados, neutrais e não-alinhados.

Na relação melodiosa atrás identificada, há raios alinhados que passam a neutrais, e vice-versa. Existem raios neutrais que se transformam em não-alinhados, e o contrário verifica-se igualmente; assim como há registo de raios alinhados que se convertem em não-alinhados, e o inverso também ocorre. A dinâmica do grupo de feixes depende da intensidade adequada dos raios isolados que o compõem, bem como da gestão harmoniosa da luz e do brilho provindos de todas as orientações e idades. Os raios não-alinhados são tão úteis como os alinhados e os neutrais. No processo de produção e difusão de energia, não há uns (não-alinhados) e os outros; todos têm o seu genético código luminoso.

Os feixes grupais traduzem sempre a honesta imagem bicípite do que forem os dois conjuntos de feixes isolados. Toda a energia que os grupos aspirem a ter e se situe acima da resultante de ações luminosas normais – ações normais, mas por inerência fugazes e ténues – reveste-se dum alarido fantasiado que inevitavelmente redundará em eclipses de pensamento prolongados que acabarão por afetar ou até impedir a produção de energia natural e renovável.

Travando-se a luta contra as trevas no reduto da luz artificial, se a Terra se arrostar com a Lua, perderão todos os feixes, isolados ou agrupados. Quando a luminária formal dos mecanismos artificiais pretende impor-se, coagindo a diminuição da cadência normal das metamorfoses, como se o dia depusesse ou apagasse a noite, a articulação de forças altera-se e os feixes neutrais deixam de se coligar aos feixes alinhados. Note-se que a produção e a difusão luminosas dos feixes neutrais não são minoritárias; o seu volume é assaz semelhante ao dos feixes alinhados.

Se bem que a Lua não disponha de brilho próprio – tal como não dispõe a Terra – e aquele que transmite durante a noite provenha do reflexo do Sol, o seu papel de regulação e renovação do pensamento em Terra é insubstituível. A Lua beneficia dos raios solares, é um facto; mas se estes a desvalorizarem, então inevitavelmente sairão reforçadas as relações entre o satélite lunar e as inúmeras estrelas que, apesar de distantes a anos-luz, são bem mais duradouras do que o Sol. Além disso, convém nunca escamotear que é muito mais difícil alimentar o dia do que a noite, pelo que, se se andar sonolento durante o dia, as trevas do dia sucumbirão ante a claridade da noite.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

A responsabilidade cívica e as moléculas do futuro

A responsabilidade cívica e as moléculas do futuro (15/10/2014)



A. Lentes multifocais do conhecimento


Em qualquer instituição, independentemente do setor de atividade a que pertence, é possível entrar no incipiente cluster relativo à responsabilidade cívica. Para começar coloque-se a seguinte questão: em que medida a investigação científica encontra-se relacionada com a responsabilidade cívica? A resposta parece estar ao alcance da escassa minoria de visionários cientes de que o melhor laboratório não se esgota nos tubos de ensaio e nas experiências de acontecimentos certos. A investigação científica e a responsabilidade cívica constituem os elementos moleculares do futuro. O exórdio poderá parecer enigmático. Então decifremo-lo.

O futuro da inovação científica – e tecnológica – dependerá duma abordagem holística, que articule os saberes das ciências ditas exatas (como a Química ou a Física) com o domínio das consequências sociais decorrentes da materialização das soluções que a ciência desvenda. Tal significa inevitavelmente que os microscópios dos investigadores terão de se renovar, passando a dotar-se de lentes multifocais do conhecimento: as lentes para a visão ao perto continuarão a concentrar-se na ampliação celular, enquanto as lentes para a visão ao longe possibilitarão analisar a realidade sob outros pontos de vista – entre os quais o cívico.

No mundo moderno os decisores que se destacam não restringem a sua atuação aos negócios que gerem, por mais especialistas e profissionais que eles sejam. Deverão procurar distinguir-se, no tempo e no espaço, através de condutas e pensamentos polivalentes próprios, não raras vezes em contraciclo. Para os projetos de negócios atingirem a ambicionada sustentabilidade torna-se cada vez mais essencial que sejam dinâmicos e resilientes, elaborados necessariamente para se adaptarem aos vários planos de mercado, em que a componente financeira, ainda que fulcral, é apenas um dos planos.

B. Lançamento do livro do FRES


Da cabotagem…


Tomada a decisão de o FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social (doravante FRES ou simplesmente Grupo) publicar o livro, houve que selecionar um prefaciador e um patrocinador elegíveis à luz do respeito dos princípios de rigor e isenção previamente identificados pelos seus elementos. Tal como os fresianos previram, o desfecho do processo da escolha do prefaciador foi desmesuradamente célere, pois a pessoa em causa – o Prof. Augusto Mateus –, para além de deter marcantes aptidões técnicas e profissionais, é uma personalidade que conjuga as capacidades de sobriedade, honestidade e sensatez reconhecidas, aptidões e capacidades que outrora tive oportunidade de comprovar e apreciar na generalidade quando o tempo nos intersetou.

Porém, tal como numa relação conjugal, mais importante do que dispor dum padrinho amigo e fiel, com quem o(a) nubente possa contar, é sentir-se convicto que a(o) consorte enquadra-se nos critérios da sua afeição em termos de atitude e temperamento e por isso confere-lhe uma desejável estabilidade, acima de tudo emocional. Saliento que esta menção não retira ao prefaciador uma gota do seu mérito, até porque para que uma relação seja harmoniosa é conveniente que haja uma convivência fraterna entre todos os intervenientes.

Ao invés, o processo da escolha do patrocinador antevia-se mais lento e difícil, não só por envolver o habitual e inevitável ingrediente financeiro, mas também por depender duma articulação meticulosa entre os itens de elegibilidade definidos pelo Grupo e a dimensão da oferta disponível. Seguiu-se uma abordagem fora da recomendada pelos cânones; não se enveredou pela opção de contacto com entidades de comunicação social, abdicando-se portanto das vantagens respeitantes à eventual notoriedade associada a tal opção.

Igualmente não se abordaram instituições que, por via direta ou indireta, estivessem ligadas a organizações políticas ou a corporações de qualquer natureza, para assim podermos assegurar de maneira plena a independência que tem caracterizado e orgulhado o FRES. Pensávamos que o patrocinador natural seria uma entidade do foro académico, fosse de direito público ou privado, por termos entendido que as análises fresianas são complementares à típica missão das universidades que lecionam cursos ligados às ciências económicas, sociais ou políticas.

A relação com o mundo académico revelou-se infrutífera, apesar de termos recolhido amáveis palavras de incentivo – umas menos circunstanciais que outras –, que muito agradecemos. Zarpámos depois para uma organização cívica não-governamental conceituada, mas perdemo-nos no nevoeiro antes da aurora. Não obstante a longa viagem costeira que até aí efetuáramos para alcançar o patrocinador apropriado, faltava ir mais além; carecia ousadia para sair da cabotagem e começar a aventura da navegação em mar-alto, indo até…

… ao Porto Salvo


Claramente a nossa abordagem estava mal delineada. Incorrêramos na inocência, examinando a duas dimensões o espaço que nos rodeava e com o qual melhor nos familiarizávamos, sem ter sopesado devidamente o facto de que as soluções repousam muitas vezes para lá do horizonte do nosso instinto e da nossa vontade. Tivemos de içar as velas e preparar as asas para outros domínios: latitudes, longitudes e sobretudo altitudes – ou não fosse do cimo que melhor se pressente e afere o desconhecimento. Foi então que se formataram as ideias já prensadas e se decidiu alargar o pensamento a desbravadas perspetivas. Refinaram-se os critérios preferenciais para encontrar corretamente o parceiro que não hesitasse em confiar numa equipa de ignotos atrevidos.

Desejava-se que a entidade patrocinadora conjugasse história com futuro. Adicionalmente, entendia-se por conveniente que articulasse, por um lado, uma gestão exigente orientada para a competitividade e, por outro, a observação escrupulosa da conduta social e das normas ético-legais. Como se este conjunto de requisitos não fosse só por si limitativo, ainda se aspirava, a título de tentativa de perfeição, que fosse um agente de referência tanto no âmbito interno como no contexto mundial, e que operasse num mercado aberto e regulado. Ocorreu uma tempestade de hipóteses, na medida em que, se os novos critérios permitiam alargar os alvos a mais setores do que inicialmente prevíramos, os mesmos restringiam as soluções visto que a conjugação dessas três condições tornava a meta mais distante e incerta.

Foi uma odisseia de silêncios incessantes, até que em ditosa hora um argonauta do Grupo assumiu o papel de comandante e vislumbrou uma conexão telepática, um calmo destino que não estava assinalado no nosso portulano. Levou o FRES a aportar num local mais que seguro – Porto Salvo –, onde a tradição rima com inovação, onde se cruzam os aspetos concorrencial e social, e onde há um equilíbrio entre as dimensões nacional e internacional dos mercados, razões explicativas para que a bonança tenha sido atingida, sem resquícios de hesitação, numa empresa filial dum grupo económico multinacional da indústria farmacêutica. Ou seja, conseguiu-se a gesta que não se antevia fácil: assegurar a tríade condicional enunciada no parágrafo precedente.

Com a aliança entre os fresianos e a empresa em apreço evitou-se a consanguinidade e, mais do que isso, dada a nítida e natural diferença de cromossomas entre as duas partes, registou-se um contributo para o reforço da qualidade genética de ambas. O êxito desta parceria reveste-se duma característica adicional de utilidade: a simbiose voluntária e incondicional entre as partes está isenta de subterfúgios ou interesses camuflados. Releva apenas o reconhecimento mútuo, bem como os sãos e harmoniosos elos de amizade.

A crónica da viagem poderia terminar aqui. Seria o suficiente quer para quem lê este post, quer para a própria empresa patrocinadora – a Jaba Recordati, S.A. Todavia para mim não basta, pois o patrocínio concedido ao FRES deve ser entendido como um convicto incentivo e não como um vulgar donativo com contrapartidas. Fica-nos bem que sejamos verdadeiros na apreciação e avaliação que fazemos dos acontecimentos, e que não haja timidez em elogiar, com sinceridade e sem bajulação, o perfil das pessoas e das instituições que nos rodeiam. Fundamentemos portanto a escolha do FRES.

C. Empresa patrocinadora


Binómio tradição-inovação


A conciliação da tradição com a inovação é uma das imagens vincadas da empresa. Ela, que se orgulha do passado, tem sabido usar as suas origens para catapultar o anterior grupo de empresas donde surgira, fornecendo produtos e prestando serviços de elevado valor acrescentado. É de enaltecer a forma harmoniosa como, após oito décadas em que o grupo português Jaba – acrónimo associado ao ilustre farmacêutico que esteve na sua génese, em 1927, o Dr. José António Baptista d’Almeida – e o grupo italiano detido pela empreendedora família Recordati – nascido em 1926 e hoje em dia com negócios espalhados por quase 140 países, cuja representação em cerca de seis dezenas deles é feita através de filiais e sucursais – andavam naturalmente por caminhos separados e, cientes do seu peso desproporcional, souberam dar as mãos, partilhando as virtudes e perfilhando as imperfeições de cada um.

A partir de 2007, ano do início da efetiva ligação luso-itálica, tem havido uma preocupação de a empresa consolidar economias de escala em todas as áreas de negócio onde opera, bem como de granjear sinergias nas atividades ligadas à vanguarda da investigação e do desenvolvimento. Tratou-se dum caso paradigmático de como, com a união, a perda parcial de autonomia da decisão nacional foi mais que compensada tanto com a consolidação da posição de mercado, como com doses adicionais de padrões de qualidade e de rigor científico dos produtos e serviços oferecidos.

Como exemplo deste último aspeto da compensação pode ser apresentada a crescente utilidade marginal que tem resultado da adoção de boas práticas nos campos do controlo laboratorial e clínico dos produtos, da segurança do processo de fabrico dos mesmos e do enraizamento da cultura de farmacovigilância. O tradicional enfoque na materialização de novas ideias terapêuticas tem sido uma permanente exigência, néctar donde são extraídos os resultados que permitem melhorar a vida dos cidadãos e disponibilizar medicamentos de acrescido valor científico e social.

O avultado e sistemático investimento efetuado nas áreas da inovação e da investigação, com recurso às técnicas modernas e aos equipamentos de topo, tem constituído um fator-chave para que a empresa e o grupo onde ela se insere solidifiquem o postulado de que a saúde é a felicidade diariamente renovada. Creio ser graças à genuína absorção deste postulado que a empresa tem articulado de forma notória a experiência acumulada com a facilidade com que encara e suplanta os sucessivos desafios de mercado.

Preocupações concorrencial e social


Outra valência específica da filial portuguesa do grupo Recordati reside no tato diferenciador de conjugar o inadiável objetivo de bom desempenho financeiro dos investimentos efetuados com o persistente respeito multidimensional do meio envolvente, especialmente na perspetiva dos equilíbrios humano, social e ambiental. A empresa, ciente que não pode abrandar a cadência da remada e que tem de harmonizar-se com o mercado e adaptar-se aos constrangimentos exógenos, entra em todas as oportunidades de negócio para deixar a sua indelével marca.

Como aparte refira-se que entre tais constrangimentos estão as restrições orçamentais e legais, compreensíveis e portanto válidas na medida em que decorrem, respetivamente, do facto de o orçamento do Serviço Nacional de Saúde ter vindo a sofrer avultados cortes e o setor farmacêutico ser um dos mais apertados em termos regulamentares (atentos o valor da saúde pública e a obrigação de assegurar a credibilidade clínica dos medicamentos). No entanto incluem um dos custos de contexto portugueses dispensáveis e facilmente ultrapassáveis: as limitações burocráticas, entre as quais residem os atrasos, às vezes injustificados, na atribuição de autorizações de novos produtos.

Seja nos produtos de marca própria – de prescrição médica ou de venda livre –, seja nos genéricos, a evolução contínua é um desiderato ininterrupto. O profissionalismo revela-se tanto na capacidade de alcançar os objetivos e na motivação de transpô-los, como na humildade de aceitar e assimilar falhas, transformando-as em desafios profícuos, razões pelas quais o umbilical compromisso com a auto-supervisão é uma evidência que define e honra a identidade da empresa.

Não obstante, a forte preocupação com a concorrência do mercado é equilibrada com a óptica social presente no quotidiano da empresa. Para a prossecução da faceta multidimensional já evocada, a empresa tem interiorizado o implícito lema de que satisfazer é tão importante quanto vender. A empresa dá valor aos seus credíveis orçamentos, todavia jamais descura os alheios sentimentos. Associar uma postura de proximidade (com os doentes, os seus familiares e a comunidade médica) à responsabilidade social consiste numa caracterização bastante redutora da realidade.

Na verdade a empresa trata sem exceção cada stakeholder como um parceiro estável. Assume inequivocamente que a satisfação das necessidades dos clientes passa tanto pelo pleno cumprimento das normas legais vigentes como pelo estabelecimento de exigentes regras ético-deontológicas próprias que credibilizam o caráter humano do serviço de saúde. Para tal procura munir-se dos apoios certos, tendo para o efeito sabido compatibilizar a dedicação e o talento dos seus empregados com a adequada recompensa – ao ponto de ser uma referência no contexto do mercado laboral português.

Mercados nacional e internacional


A cultura de governação instituída no grupo transalpino, de que os responsáveis executivos das filiais e sucursais sejam cidadãos nativos – o Dr. Nelson Pires, no caso da lusitana Jaba Recordati, com quem nunca me cruzei – é uma prática comprovadamente benéfica para todas as partes envolvidas no processo de delegação dos poderes de gestão. A circunstância de a empresa-mãe ser uma conceituada entidade cotada na bolsa de valores de Milão há 30 anos – cuja maioria das ações continua a ser detida pela família Recordati – não constitui um argumento usado para minguar o poder das filiais e sucursais espalhadas pelo Mundo. Antes pelo contrário; há a plena noção que é imprescindível manter a decisão, operacional e estratégica, no domínio nacional se se pretender concretizar o jargão que, na realização de negócios à escala planetária, há que agir localmente e pensar globalmente.

Apenas com tamanha abertura de espírito – de que quem se senta no cume hierárquico tem a humildade de delegar poder – é possível defender e consolidar o mercado nacional e levar à prática a máxima de que se deve promover a indústria portuguesa. É isto o que a Jaba Recordati tem contínua e incessantemente atingido – apesar de Portugal não ser a melhor solução em termos de custos de produção –, o que constitui um contributo para o crescimento da economia e do emprego nacionais.

Contudo a missão não se resume à escala nacional. A empresa assume compromissos igualmente ousados a nível internacional: reforçar o seu peso no seio do grupo, ajudando-o a conquistar quota de mercado. Neste âmbito, tem havido uma cooperação estreita e intensa entre a empresa portuguesa e os mercados africanos lusófonos, a qual vem sendo coroada de êxito para todos os intervenientes negociais. Recorrendo a tal experiência de cooperação, ela adota como uma das prioridades estratégicas o estabelecimento de laços comerciais com outros países africanos.

É notório o crédito crescente da filial portuguesa tanto sob o ponto de vista económico como científico. Apesar de a Jaba Recordati só representar aproximadamente 4% do volume de negócios do grupo – a filial espanhola regista um peso semelhante e o mercado italiano é responsável por 30% do montante global –, é reconhecida como uma das mais conceituadas em comparação com as congéneres. Mediante a influência e o impulso exercidos pela empresa, o nosso País tem tido uma participação ativa em programas de elevado valor científico acrescentado, nomeadamente na investigação de novas moléculas, algumas das quais desenvolvidas com o fito das descobertas revolucionárias para a cura de doenças raras, rondando os medicamentos para as combater os 10% do total das vendas farmacêuticas do grupo. Este último indicador reveste uma importância assinalável porquanto apenas cerca de 1% das doenças raras já identificadas dispõe de medicamentos autorizados para o seu tratamento.

D. Conclusão


O lançamento do livro do FRES evidenciou a invulgaridade que consiste na capacidade de os agentes ajustarem de forma espontânea os tradicionais microscópios à especificidade da era moderna, incorporando aos aparelhos de precisão revólveres de diversas lentes. Ademais, permitiu comprovar que não é paradoxal existirem entidades que, pese embora estarem literalmente focadas em áreas deveras minuciosas tais como obter soluções eficazes e eficientes para as aflitivas doenças raras, conseguem compatibilizar este nobre trabalho com a adoção de medidas que fomentem a interdisciplinaridade e os seus efeitos multiplicadores.

Cumpre repetir que com o post em apreço não se pretende fazer a apologia da empresa, mas tão-somente explicitar os motivos por que entendemos ela pertence a um conjunto muito limitado de entidades nacionais que observam as três condições traçadas e refinadas pelos fresianos, expostas no segundo parágrafo da segunda subsecção do ponto B. Ante a vontade e a capacidade de a filial portuguesa e as empresas do grupo multinacional em apreço compatibilizarem o rigor e a segurança das experiências e descobertas científicas com as consequências práticas na vida das pessoas que beneficiarão do conhecimento científico, é de enaltecer a sua perspicácia de olhar atenta e concentradamente para o microscópio da Humanidade.

O FRES regozija-se por ser uma das moléculas-alvo da investigação microscópica, e com isso permitir que a empresa se distinga também em termos de responsabilidade cívica, um dos elementos moleculares do futuro. Face ao exposto, conclui-se que a Jaba Recordati tem exportado para o Mundo a imagem dum Portugal moderno e dinâmico, conferindo um prestigiante contributo da prova que o País está preparado para encontrar soluções para os sucessivos problemas com que se vai deparando.

domingo, 28 de junho de 2020

Pluralismo de borla

Pluralismo de borla (02/06/2014)




FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social é uma associação cívica, dinâmica e plural, composta por cidadãos anónimos, desinteresseiros e interessados pelos problemas que afetam a Nação. Cada um dos membros, não tendo o rótulo de sumidade, possui uma conceção de sociedade nas suas múltiplas dimensões, desligada de qualquer corrente idólatra. Neste grupo o pluralismo revela-se a todos os níveis - e de borla.

Em termos ideológicos, o espectro é bastante alargado. Existem pessoas com opiniões partidárias bem identificadas e, em contraste, algumas são politicamente asséticas. A verba e o verbo merecem idêntica atenção; há quem (sobre)valorize a componente financeira das decisões políticas, assim como há os que colocam a primazia no aspeto social. Uns atribuem maior atenção às dificuldades alheias, enquanto outros nem tanto. O FRES é uma doutrina gregária, onde as opiniões suscitadas são de borla e tantas vezes sem rede.

A liberdade é um apanágio e o estilo de vida do grupo. Ele não se rege por demais regras que não sejam a verdade do pensamento e o respeito pela consciência individual. Como tudo é de borla e incondicional, cada elemento é livre de discordar das ideias dos congéneres, ou mesmo de as subscrever partindo de premissas diferentes. O FRES é um campo de energias renováveis, um jardim com habitats e ecossistemas evolutivos, onde uns seres vivos se dão melhor do que outros: uns encontram condições propícias para se desenvolverem, ao passo que outros simplesmente não resistem e portanto podem (vir a) padecer.

O dinamismo do grupo é uma consequência inevitável do seu modo de funcionamento espontâneo. Tudo é sem custos e livre de comissões - de borla. Depois do entusiasmo da entrada, pode-se sair no instante que se queira. Quando o grupo revela sintomas de crise de identidade ou de comunhão de rumo, alguns suspendem tacitamente a sua participação (mas até agora nunca definitivamente), não lhes sendo solicitada qualquer explicação para a decisão tomada. Aqui nunca houve confessionários; a libertadora expressão de sentimentos cívicos é plena.

No FRES custa tanto redigir duas ou três frases como não escrever uma palavra sequer, porquanto cada um detém o direito de intervir da maneira que a sua mente melhor entender - desde que seja de borla -, ou não fosse o respeito brilhante pela consciência individual a suprema missão do grupo. A adesão ao fórum pode ser perene ou fugaz, consoante o desejo dos membros. Pode-se estar de corpo e alma, só de corpo, apenas de alma ou, conforme anteriormente subentendido, nem de corpo nem de alma. Uma particularidade que ressoa neste grupo é o facto de as dúvidas mal enterradas serem o adubo orgânico para o nascimento de vontades desejadas e refletidas.

Face ao exposto, não admira os episódios da bipolaridade que o grupo revela - também ela de borla, como se exigiria. Simultaneamente à acesa e aberta discussão, em circuito fechado, de assuntos ora nobres ora vãos - como sucede com as restantes organizações comparáveis ao FRES -, quando se passa para o domínio público o silêncio é reinante, como que a divulgação de opiniões sofresse dum processo metamorfósico, de as ideias férteis passarem, num ápice, de genuínas e gratuitas a opulentes e dispendiosas.

O grupo tem acolhido as pessoas que ousam analisar os problemas de forma heterodoxa e, ao mesmo tempo, sustentam as suas posições. Patrocina - ainda que de borla - os novos pensamentos, inabaláveis com as críticas dos interesses individuais ou corporativos. Ademais, reconhece e valoriza os camaradas que, mesmo afastando-se ou descrendo da abordagem de raciocínio doutro fresiano, manifestam os seus isentos pontos de vista e têm a invulgar capacidade para, no estrito respeito pelas convicções de outrem, saírem do ângulo de conforto pessoal e transmitirem sugestões que valorizam o objetivo e a imagem do FRES.

A identidade do grupo reside na opção, assumida desde o início da sua efetiva (i.e., não formal) criação há quase uma década, de enveredar pelo espírito crítico, em detrimento da crítica de borla. Os reptos e os compromissos são levados a sério. O FRES é um fruto renovador do espírito sensato, onde a implosão de opiniões baratas se transforma na explosão de ideias assertivas.

Fresbook e não Facebook do FRES

Fresbook e não Facebook do FRES   (25/04/2020) O FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social sempre foi um Grupo plural para o lado...