Eis uma situação desagradável que porventura
ainda persiste – pelo menos existia até há poucos anos – e
que em nada contribui para a boa imagem da justiça, devendo como tal ser
evitada, a favor do salutar relacionamento entre os tribunais e os cidadãos. Refiro-me em concreto às cartas
de notificação que as testemunhas recebem para comparecer em tribunal, cujo teor é agravadamente
mal aceite quando as respetivas notificações vêm posteriormente “acompanhadas”
com alterações súbitas das datas de julgamento.
Provavelmente é estandardizado o texto enviado
pelos tribunais às testemunhas. Após a devida análise do mesmo, constata‑se que
denota nítidos traços de falta de delicadeza. Atenda-se a dois exemplos de
expressões dele extraídas: «se a testemunha não se apresentar» e «o faltoso». O
primeiro exemplo é intimidatório e o segundo acusatório.
Somente falta qualificar
de criminoso o faltoso, i.e., a
testemunha que não se apresente em tribunal. Por certo o autor do texto conseguiria,
sem grande esforço adicional, encontrar uma redação alternativa que, sendo
igualmente assertiva e com um cunho de cumprimento obrigatório, transpirasse um
menor grau de arrogância. Não beliscaria o poder da justiça; pelo contrário,
elevaria o seu crédito perante os destinatários.
Conforme realçado ao princípio deste verbete, a abordagem refletida
nas cartas de notificação das testemunhas
não abona a favor quer da justiça, quer do respeito que os cidadãos devem nela
depositar. Como se isto não fosse suficiente para desapreciar o papel do
sistema judicial, há a agravante de ele ser – ou ter sido – pouco
competente em termos de organização.
De facto, no caso que
motivou o post em apreço, as pessoas
envolvidas no processo de julgamento, incluindo as testemunhas, foram
convocadas para estarem presentes num determinado dia, às 11 horas. Ora, cerca
de duas horas antes da hora e do dia (há muito) previstos para o início do
julgamento, elas foram informadas, telefónica e educadamente, por um
funcionário do tribunal com um novo elemento: afinal o julgamento não seria
realizado nesse dia, mas sim no dia seguinte – mas à mesma hora!
Tanto zelo do funcionário para tamanha e lamentável falta de competência do tribunal.
Os cidadãos, para marcarem a presença na audiência e
participarem no julgamento, tiveram de (re)programar os seus compromissos, em
nome da suprema justiça. Ainda bem que é assim, em conformidade com os
parâmetros exigidos a um sistema de justiça democrático e profissional. Mal é o
amadorismo evidente da altaneira justiça, que decidiu nos últimos momentos e
com o aviso de apenas um par de horas, mudar unilateralmente a data, sem ter
manifestado a mínima humildade para pedir desculpa pelo incómodo causado, nem
tão‑pouco dar qualquer explicação sobre a infeliz bizarria.
Erros todos cometem.
Porém, não só o limite de tolerância ao erro deve ser mais reduzido nos
tribunais – pelo menos que acertem nas datas dos julgamentos –,
como é menos aceitável quando tais instituições judiciais que cometem erros
invulgares e crassos são arrogantes no modo como convocam as testemunhas.
A justiça daquele tribunal demonstrou estar acima das normas de conduta e da consideração pelos cidadãos. Será um desejo ambicioso implorar a revisão – para o caso de ainda não ter sido realizada – da redação das cartas de notificação das testemunhas?