terça-feira, 30 de junho de 2020

Mais uma enigmática… marosca informática

Mais uma enigmática… marosca informática (28/06/2020)  Por ser um grande apreciador dos proboscídeos domesticados e dos seus domadores, dedico-lhes este post.




Este post teve uma vida incrivelmente curta. Nasceu às 10h 07m de 28 de junho de 2020, e foi ocultado para o público, no blogue do FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social, antes de findar o dia 30 do mesmo mês.

Espero que tenha valido a pena denunciar a repetição de maroscas informáticas no seio do Grupo, encetadas a partir da minha frontal oposição à saída do ex-fresiano, competente, sério e abnegado,  Paulo J.S. Barata do Grupo.

Lamentavelmente os cacos estão há muito depositados no FRES, sendo agora quase impossível a reconstrução da imagem perdida. Resta não transformar os cacos em pó.



A) Os enigmas já detetados


O blogue do FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social tem-se revelado uma admirável caixa de surpresas após a saída do ex‑fresiano Paulo J.S. Barata, o então responsável pela área informática do Grupo.
Ao consultar, ontem e durante um processo de transferência e backup, o post «A utopia do novo pensamento e a indefinição democrática» (de 27 de março de 2014), verifiquei mais um enigma informático que a cobarde pirataria não conseguirá explicar. Já se torna desnecessário pegar no telefone e denunciar os enigmas, porquanto a resposta é invariavelmente a mesma. A partir de agora basta fazer print screen e responder aos ataques informáticos com a publicação de posts no blogue.
Depois da passagem, para rascunho, do post «O preço do vinho e os mercados imperfeitos» (de 13 de novembro de 2014), não sei quando perpetrada por algum guru informático enologista, mas por mim detetada e comprovada entre os últimos dias de 2017 e os primeiros de 2018;
depois de uma ou outra (des)formatação do post «Polícia moderna – Autoridade da informação ou informação da autoridade?» (de 8 de setembro de 2017), por parte de alguém que, nesse caso sem má‑fé, não sabia o que estava a fazer, mas não deu cavaco ao responsável pela elaboração do texto;
depois do post «Mal por mal, o atual – Um postulado macropolítico ancestral sempre contemporâneo (7/8)» (de 18 de abril de 2020) – referente à aplicação do postulado ao sistema democrático português – ter sido descaradamente atacado, por algum informaticozeco que porventura ter-se-á incomodado com o vaticínio quanto à identificação dos dois próximos Presidentes da República, ao ponto de, entre as cinco imagens que o post contém – a do gráfico, mais as quatro de baixo referentes ao texto –, a da nossa bandeira foi a única poupada, ou seja, as últimas quatro desapareceram subitamente no buraco negro do mistério;
chegou a vez de mais uma subtileza manhosa, que desta feita será por mim corrigida apenas daqui a uns tempos – sublinho: quero ser (só) eu a corrigir, e não um qualquer elemento do FRES que possua o direito de administrar o blogue, por nele não depositar a mínima confiança –, para que os responsáveis e os restantes membros do Grupo possam confirmar “in loco” o que passo a explicar.

B) O caso concreto do enigma do link alterado


A subtileza manhosa incidiu sobre o referido post de 27 de março de 2014, o qual se inicia com o seguinte texto:
«Tenho sido rotulado de utópico, e às vezes de louco, por defender as propostas apresentadas no documento publicado neste blogue no pretérito dia 19 de janeiro – Zerar para ressuscitar e criar oportunidades sustentáveis. Ao ouvir e decifrar os argumentos dos críticos – por quem manifesto sublime consideração, cumpre salientar, até porque alguns são meus familiares –, fico com a nítida perceção que na sua génese moram raciocínios firmados na sistemática sobreposição dos interesses individuais face aos coletivos.»
A maioria dos leitores fica portanto com alguma curiosidade sobre as referidas propostas apresentadas no documento, e clica no link do mesmo. Porém, o link está errado. Em vez de direcionar o leitor para o post correto (publicado em 19 de janeiro de 2014), condu‑lo para o futuro. De facto, tendo o post sido criado em 27 de março de 2014, o link faz uma viagem não para o que já estava publicado (há cerca de dois meses), mas sim para algo que o feiticeiro informático sabia que ia acontecer quatro anos mais à frente, concretamente em 5 de março de 2018! Além de sólidos conhecimentos sobre enologia, sobre formatação de textos e sobre política (nacional), urge reconhecer que o informático tem poderes premonitórios.
Eis o resultado visual do que acaba de ser escrito e descrito. Como a imagem seguinte comprova, aparentemente está tudo bem; parece que não há marosca informática.



O que aparece com o link, …

Parece que não há marosca; todavia, ela é amadora e desequilibrada. Ao pressionar o texto assinalado a azul, Zerar para ressuscitar e criar oportunidades sustentáveis, dispara no ecrã uma dupla de posts, agarrados um ao outro, como se fossem gémeos: o futurologista, de quatro anos à frente (de 5 de março de 2018), e o próprio (de 27 de março de 2014). Primeiro aparece o de 2018, seguido do de 2014, tal como em baixo se demonstra.




(…)



(…)



… o que deveria aparecer com o link


Se a informática fosse ou suficientemente competente ou minimamente séria, então não teria alterado o link inicial, a partir do qual deveria surgir a informação constante do post de 19 de janeiro de 2014, conforme se apresenta de seguida.



É verdade que as medidas apresentadas nesse post de janeiro de 2014 são fraturantes na sociedade portuguesa, e por isso não foram bem acolhidas aquando da sua oportuna apresentação ao Grupo, sobretudo as referentes à criação de um imposto especial sobre a riqueza das famílias e à reintrodução do imposto sobre as sucessões e doações (ou de um análogo). Mas daí até chegar a uma artimanha informática que pretenda ostracizar ideias, não passa de uma inovadora forma de censura.

… e ainda a introdução do link correto noutros posts


Após ter detetado a marosca, parti à procura dos posts que referiam explicitamente o «Zerar» mal‑amado. A partir de agora, em todos aqueles onde é feita tal referência existe o link correto. Apenas deixei de fora o post de 27 de março de 2014, conforme mencionei na parte final da secção A. O post publicado em 19 de janeiro de 2014 (1) está associado ao documento a ele anexo, datado de 13 de dezembro de 2013 (2).
A saga informática não me tem dado tréguas. Até quando?!


Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte III/III)

Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte III/III) (26/02/2015)



[Chegou-se então ao princípio.]


A. Estatutos para todos os gostos

1. Quantos estatutos proliferam em Portugal? Resposta difícil para uma pergunta estranha. São inúmeros os estatutos de índole corporativa – tais como os de associações, câmaras e ordens – ou de caráter profissional – incluindo os das várias forças de segurança. Os estatutos de natureza pública – se desta forma se podem qualificar – são bastante menos, porém demasiados: desde os estatutos do aluno e do trabalhador-estudante até ao estatuto da carreira docente; dos estatutos mais específicos como o do dador de sangue aos mais abrangentes como o dos funcionários públicos.

2. Dos estatutos constam deveres e direitos, entre muitas outras disposições – consoante o seu âmbito pessoal –, e como tal, se concebidos com ponderação, revestem um importante veículo de funcionamento das sociedades democráticas. Tanto assim é que a Constituição da República Portuguesa reflete a atenção que a palavra «estatuto» merece e encerra. Na lei-mãe está explicitamente prevista a existência de estatutos relativos a órgãos e instituições que são o esteio do nosso sistema republicano.

3. A Constituição prevê concretamente os estatutos dos juízes do Tribunal Constitucional, dos juízes dos tribunais judiciais, dos magistrados do Ministério Público e do próprio Ministério Público, bem como os estatutos dos titulares de cargos políticos, das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, das autarquias locais, da Assembleia da República e do Presidente da República. Está igualmente presente uma miscelânea de referências a demais tipos de estatutos: das empresas públicas e das fundações públicas, das comissões de trabalhadores, dos membros do Conselho Económico e Social, dos membros da entidade de regulação da comunicação social e do refugiado político. Esta miscelânea levanta a questão de avaliar até que ponto ela não está visivelmente incompleta, porquanto há uma série de matérias que, pela mesma ordem de razão, também são detentoras de mérito para integrar a Constituição.

4. Falta o estatuto do eleitor. Obviamente é impraticável haver um estatuto aplicável ao universo dos votantes, pois apenas ficariam excluídos os portugueses com menos de 18 anos de idade. À parte este irónico acepipe, [re]entremos no âmago do desafio. A Constituição terá de fixar: o dever de os cidadãos participarem nos sufrágios universais – aspeto já aprofundado pelo FRES há três anos, aquando do elenco de propostas alusivas à alteração da lei eleitoral –; e, em contrapartida, o direito de lhes ser fornecida informação transparente sobre os Programas, capaz de as pessoas tomarem decisões esclarecidas.

B. Atuais programas eleitorais

5. Os Programas Completos são uma caixa de surpresas. Se os eleitores os esfolheassem, grassaria abstenção acrescida. Ainda que analisando-os superficialmente, infeririam que, entre os partidos do poder e os da oposição, existe convergência em termos de omissão de propostas e compromissos em domínios importantes para a Nação, enquanto noutras há convergência na (red)ação. Constata-se que, não obstante esta última convergência, as propostas e os compromissos não avançam – provavelmente devido à convergência. Em síntese: os adversários tanto se digladiam, para no fundo estarem tão irmãmente sintonizados.

6. Quem analisar minimamente os Programas, constata de imediato que são um mar de música gramatical desarmonizada. No mesmo Programa prevalece a diversidade acriteriada. Proliferam a esmo medidas estruturais mescladas com intenções de cariz setorial, sem se perceber qual a lógica. Nalguns Programas há assuntos – ora fundamentais para Portugal e portanto devem ser alvo de imprescindível discussão pública, ora objetivamente irrelevantes para a esmagadora maioria dos indivíduos e como tal dispensa-se que constem dos Programas – que são algo detalhados e noutros são tratados pela rama ou nem sequer são abordados. Para além disso, existem Programas que em determinadas áreas mais parecem uma declaração acusatória aos adversários do que uma saudável exposição de opções políticas.

7. Os Programas são um chamariz blasonado que no fundo pouco engana. Trata-se duma amálgama de ideias abrasivas que conduzem ao engodo, ao desinteresse e à abstenção, e que desmoralizam os cidadãos e trucidam a confiança no regime. Os exemplos confrangedores são inúmeros. Incontáveis anseios desgarrados e lapalissianos, esculpidos com o cuidado de eliminar quaisquer mensagens desagradáveis. As minuciosas patranhas camufladas – ardilosa especialidade abundantemente servida pelos partidos (claro que não durante as campanhas eleitorais) – desaparecem dos Programas, para dissipar o mínimo risco de impopularidade.

8. Não contesto que as associações políticas sejam livres de exibir-se junto do público com a informação e sob a forma que entenderem. Se eles quiserem aferrar-se a Programas pautados pela balbúrdia, desorganizados e infundados, pejados de banalidades ou ficções, que o façam. Nas sociedades de espírito aberto há espaço para todos, sem lugares reservados, desde que não falhe nem falte o respeito, e que o disparate respeite a sensatez.

9. O ponto central consiste em compatibilizar a liberdade partidária com o direito de os cidadãos serem corretamente elucidados para que possam exercer em consciência o dever cívico de votar. É por isso que, paralelamente aos clássicos Programas Completos, no fundo dirigidos sobretudo aos próprios partidos e aos seus fiéis opositores, terão de ser produzidos manifestos simplificados, dirigidos efetivamente ao povo, o alfa e o ómega da democracia.

10. Os Programas atuais são um caso típico de publicidade enganosa, que é fortemente reprimida com pesadas multas nos Estados que protegem os direitos dos consumidores de bens e serviços. Os eleitores são consumidores dum serviço específico: a política. Trata-se da analogia que urge adotar, para benefício dos partidos e acima de tudo da democracia. A analogia não obrigaria a que fossem instauradas coimas pesadas às associações partidárias que infringissem a lei; o castigo viria com a penalização infligida pelo eleitorado, mercê da perda de receitas decorrente do acréscimo da abstenção. Contudo tenha-se bem presente que, à luz da prática lusitana, os partidos têm vindo a sair algo incólumes dessa penalização porque compensam-na com (favoráveis em causa própria) alterações legislativas ao financiamento partidário por parte do Estado, como está patente no post «O povo, as saturninas parlamentares e a democracia desalinhada».

11. Antes de caminhar em direção aos PES, não pode deixar-se de aludir a duas mechas comuns aos Programas, à guisa de suspeita de conivência tácita traçada no seio dos partidos políticos. Estou ciente que em qualquer país democrático a realidade não difere excessivamente da nossa, motivo pelo qual reconheço que seria dispensável a crítica atinente à referida suspeita de conivência. Todavia, e porque os plebiscitos em Portugal não têm contribuído para a consolidação e a reputação democráticas, é crível que uma nova arquitetura de manifestos eleitorais contrarie a abstenção solidamente reinante.

12. Retomando a dupla de mechas comuns indicada no início do parágrafo anterior: não pode escamotear-se que, se houver que identificar uma perfeita convergência entre os vários Programas, essa consiste, por um lado, na completa ausência de avaliação ou estimativa de impacto das propostas apresentadas aos eleitores e, por outro, na ocultação dos efeitos conflituantes inerentes às mesmas. Mechas que são o par de informação essencial para a tomada de decisões dos eleitores que fitam o futuro.

13. De facto, sendo variadas as necessidades e escassos os recursos, impõe defender-se a legitimidade de os portugueses conhecerem os custos financeiros e as consequências colaterais negativas das opções anunciadas. Somente assim o eleitorado poderá aferir se tais custos e consequências encontram-se aquém da utilidade que as opções conferem à Nação. Não pugnar por tal legitimidade é brincar aos sufrágios, tão grave como se as contraindicações fossem intencionalmente ocultadas das bulas dos medicamentos.

14. Se os especialistas em análise política exteriorizassem o que entendem acerca da redação dos Programas revelados ao gentio, certamente divulgariam que chegaram à conclusão que o texto não passa de camufladas imagens caleidoscópicas fornecidas aos cidadãos, e que estes são tratados pouco acima de meros párias da democracia. O teor dos manifestos eleitorais não permite outra interpretação. Os mesmos especialistas, no estrito alinhamento com a isenção que deve ser seu apanágio, acrescentariam imediatamente que tem estado à altura a resposta, sem rebuço, dada pelo povo: a abstenção crescente.

C. Termos dos prospetos eleitorais simplificados

15. A Constituição estabeleceria a obrigatoriedade de, aquando das campanhas eleitorais, cada associação política disponibilizar um documento de formato estandardizado – o PES – que permitisse a fácil comparação dos respetivos compromissos assumidos. Definiria ainda os princípios de elaboração dos prospetos, e remeteria para diploma legal de hierarquia inferior os termos concretos referentes ao seu conteúdo. Ficaria constitucionalmente instituído que os PES seriam desenhados e supervisionados por um organismo estatal. Talvez essa responsabilidade pudesse ser delegada numa unidade orgânica sob a alçada do Tribunal Constitucional (à semelhança, com o devido distanciamento, da atual Entidade das Contas e Financiamentos Políticos).

16. A lei preveria um conjunto ordenado mas não exaustivo de assuntos, relativamente aos quais as associações políticas teriam de transmitir ao eleitorado as medidas que se propõem efetivar. Tanto para os assuntos previstos na lei como para os demais que os partidos pretenderiam incluir, seriam explicados sucintamente não só os fins específicos – ou seja, despidos de palavreado vago – das medidas mas outrossim a forma de os alcançar, identificando os aguardados efeitos conflituantes merecedores de destaque. Para além disso, deveriam ser proporcionadas estimativas dos impactos (aos níveis qualitativo e sobretudo quantitativo, no tocante às despesas e às receitas), sem descurar a explicitação dos pressupostos de cálculo e das hipóteses principais utilizados nas estimativas.

17. Não seria mais do que adotar a boa prática legislativa, conquanto frequentemente violada, e que consiste numa adequada análise de custo-benefício. No fundo o PES deveria responder a três questões simples mas essenciais para esclarecer qualquer (des)cuidadoso cidadão: porquê?, como? e quanto? Se os partidos não concebessem os PES segundo os princípios constitucionais e as adicionais regras legalmente definidas, seriam excluídos do ato eleitoral. Momento para rir até rebentar as ilhargas, tamanha é a utopia – responderemos todos nós com razão, leigos ou conhecedores dos meandros políticos.

18. Utopia seja porque a materialização desta ideia arrojada exigiria inevitavelmente um alargado consenso partidário – desde logo porque, como descrito, o consenso haveria que ser realizado em sede de revisão constitucional e portanto jamais contaria com o assentimento dos partidos –, seja porque, mesmo num improvável cenário em que eles anuíssem, tudo fariam para cumprir a lei e concorrer aos plebiscitos com um prospeto de qualidade miserável. Todavia não importava que o fizessem, pois seria um ótimo cenário; punha a nu a (in)competência e o (de)mérito que cada organização política depositava na transparência da informação, assim como no (des)respeito pelos indivíduos que os elegem. Frise-se que se a exclusão do processo eleitoral não se torna possível, a aplicação de coimas também não constitui uma alternativa, como decorre do parágrafo 10.

19. Porventura o PES será um procedimento inédito a nível mundial, o que se justificará pela dificuldade de execução. Porém a dificuldade não deve impedir que Portugal enverede por notável façanha estelante e mostre que quer assumir-se como um exemplo inabalável, de democracia e de cidadania, para todos os países. O PES traduzirá o pendão da transparência; revestirá a concretização dum pensamento democrático elevado – por oposição à confusão anárquica viciada que tem brotado dos Programas Completos.

20. Os dados objetivos e relevantes constantes dos PES trariam uma aura de esperança rejuvenescida a uma democracia que começa a grisalhar-se, e seriam uma estupenda ferramenta tanto para quem se preocupa com análises isentas como para os que se pautam por análises parciais. Tais análises – umas e outras – não se restringiriam ao benfazejo confronto dos PES. Incluiriam inovadoras comparações entre os manifestos pré-eleitorais, por um lado, e as posteriores opções tomadas pelos partidos vencedores durante a legislatura subsequente, por outro. Aferir-se-ia ainda em que medida os acordos tácitos celebrados com a chusma são implícita ou explicitamente dissolvidos após os plebiscitos, aferição que permitiria mensurar a massa de brio e de memória que o povo transporta.

21. Do que foi escrito nesta secção eventualmente ter-se-á ficado com a noção de que a revisão constitucional é uma condição sine qua non para a operacionalização dos PES. Nada disso. Sem prejuízo de, para atribuir maior notoriedade e segurança aos PES, convir que a Constituição seja alterada em conformidade, os partidos têm o direito e o dever de tomarem as iniciativas que reduzam drasticamente a taxa de abstenção. Exercício que pode iniciar-se agora, orientado para as próximas legislativas de setembro ou outubro do ano em curso.

22. Enquanto «cidadãos anónimos, desinteresseiros e interessados pelos problemas que afetam a Nação» – primeira frase do post «Pluralismo de borla» –, pactuaremos com os demais portugueses críticos para constatar até onde os partidos manifestarão abertura para trabalhar humildemente em prol da democracia. Todavia temos de assumir que a elaboração dos PES requererá muito empenho. Tudo o que incorpora valor exige esforço. Ilude-se quem crê que a democracia se alimenta com pouco trabalho; se for o caso, ela acabará por morrer sem encanto e inanida, e será substituída por um modelo incomparavelmente mais flébil e nublado do que o vigente.

23. Recordemo-nos que a Constituição de 1822 (saída da revolução liberal de 1820) era considerada bastante progressista para a altura, pelo que volvidos cerca de dois séculos a História poderá (e deverá) repetir-se. Foi a menina bela dos olhos humanistas de Manuel Fernandes Tomás, que «salvou a Pátria e morreu pobre» aos 51 anos (Almeida Garrett). Morreu por trabalhar árdua e gratuitamente na elaboração da Constituição e descurar a sua já de si fraca saúde; morte que o chamou quase dois meses após a ratificação do bem-fadado diploma. Prescinde-se de patriotismo equiparável para levantar os PES; basta vontade.

24. Porém revelo ceticismo. À partida a vontade de pôr em marcha os PES ficará na mesma tulha bolorenta onde está a falta de coragem para reestruturar as parcerias público-privadas – cujo pagamento usurário dos juros (i.e., juros cobrados acima do justo valor) tem sacrificado astronomicamente o erário público em várias centenas de milhares de euros por dia (repito: por dia) –, negócios gangrenosos que aniquilam os esforços dolorosos para a maioria da população resultantes das tentativas homéricas de controlo das finanças públicas.

25. Nessa tulha está também a sonolência para reformular o sistema eleitoral, continuando os cidadãos com a sensação de que os partidos funcionam como coutadas impenetráveis à prova dos genuínos anseios do povo, o elemento cândido e fútil do nosso regime. Já que a classe política permanece fleumática e ligada à máquina (partidária), cabe ao eleitorado decidir entre a armadura dos interesses minoritários e o progresso da democracia e do futuro da Nação que cremos ser de todos.

Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte II/III)

Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte II/III) (19/02/2015)



D. Programas eleitorais versus prospetos eleitorais simplificados

D.1. Âmbito da comparação

26. Nas próximas duas subsecções apresentam-se, em relação a cinco temas – a saber: corrupção, violação do segredo de justiça, revisão da lei eleitoral, governos civis e orçamento de base zero –, a informação e a propaganda extraídas dos Programas. À exceção do primeiro – a corrupção, um dos assuntos nucleares em qualquer sociedade –, os outros quatro foram escolhidos sem especial critério de seleção. Procedi ao exercício de recolha e tratamento de elementos unicamente para ilustrar que é impossível admitir que a generalidade dos portugueses consegue calcorrear os Programas e efetuar um trabalho semelhante para as dezenas de temas neles divulgados.

27. Para tanto repesquei os Programas Completos que as principais associações políticas mostraram aos cidadãos nas legislativas de 2011, especificamente – ordem decrescente dos resultados nas urnas – os do Partido Social Democrata (PSD), do Partido Socialista (PS), do Centro Democrático Social (CDS), do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE). Os cinco partidos obtiveram 91,5% do total de votos exercidos (excluindo assim a abstenção, que atingiu uns assustadores 42%). Para o efeito assumiu-se que a votação no PCP correspondeu à depositada na coligação de comunistas e ecologistas, pelo que se pressupôs que as organizações políticas integrantes da mesma – o PCP e o Partido Ecologista “Os Verdes” – estavam perfeitamente alinhadas entre si.

28. Depois do exercício de recolha e tratamento mencionado na última frase do parágrafo 26, e para aferir a importância dos PES, na subsecção D.4 esboça-se [esboçou-se na primeira das três partes do post] o que poderia advir dos prospetos aplicados aos sobreditos cinco temas, construídos mediante os elementos fornecidos pelos partidos nos seus Programas. Reconheço que é um domínio arrojado e controverso, atentos os motivos [que serão] explicitados na secção C. Todavia uma controvérsia do género, que eleva a qualidade da cidadania, é preferível a matérias consensuais subtilmente impingidas, tais como a mistura inútil de (parca) informação com (abundante) propaganda, que denigrem a imagem da política.

29. A elaboração dos PES é um processo dinâmico e de aperfeiçoamento permanente. Basta colocá-los sobre os carris, que depois eles autotransportam-se em natural e salutar movimento democrático. Uma vez disponibilizados, os indivíduos só têm de selecionar e votar nos partidos que lhes oferecem maior segurança (ou menor desconfiança). Se os nossos agentes políticos não querem perceber isto, então a evolução dos erros sistemáticos, ainda que não redunde na queda da democracia, acabará por acarretar a quebra da mesma e o agravamento do fosso face ao patamar merecido e desejável pelos verdadeiros democratas.

D.2. A corrupção vista pelos partidos políticos

30. Sendo a corrupção um flagelo que mina o funcionamento das sociedades, impõe-se a questão de conhecer as medidas que os partidos políticos nacionais pretendiam adotar para atacá-la sem tréguas. O Programa Completo do PCP foi indiscutivelmente o mais determinado e cirúrgico em termos de corrupção. Corrupção na aceção que o povo compreende e avalia: o suborno – a pústula ligada ao favorecimento ilícito e ao enriquecimento injustificado, e por conseguinte uma das causas das democracias enfermiças e carcomidas. Depois duma mensagem abrangente, e por isso mesmo vazia de substância, de que o combate à corrupção e ao crime económico constituía um dos vetores centrais para almejar «o desenvolvimento económico e o pleno emprego, a redistribuição do rendimento e a justiça social, o aprofundamento da democracia e a afirmação da independência e soberania nacionais», o partido apresentou um conjunto de propostas muito específicas.

31. Para o PCP, «Um decidido e empenhado combate ao crime organizado e à corrupção exige, antes de tudo, uma real vontade política, mas, seguramente, mais prevenção e meios, efectivos e eficazes na investigação. Em matéria de investigação criminal, a sua eficácia na perseguição do crime organizado e da corrupção torna imperioso romper com as tentativas de controlo governamental da investigação criminal; respeitar escrupulosamente a autonomia do Ministério Público e dos seus magistrados na direcção funcional da investigação e dotar os órgãos de polícia criminal com os meios materiais e humanos indispensáveis ao cumprimento tempestivo das suas missões. É indispensável a revogação da lei que governamentaliza a definição das orientações e prioridades de política criminal, verdadeiro espartilho da actuação do Ministério Público e a revalorização da Polícia Judiciária, o preenchimento dos seus quadros e o reforço dos seus meios periciais.»

32. Acrescentou que «Importa igualmente (…) reforçar o regime legal do combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, designadamente através da criminalização do enriquecimento ilícito no exercício de cargos públicos, do agravamento do regime sancionatório das infracções de natureza económica e financeira e do combate sem equívocos aos off-shores e ao sigilo bancário.» Com o intuito de tentar cobrir o máximo de áreas relacionadas com o problema, terminou salientando que «Impõe-se a criação de um verdadeiro Programa Nacional de Prevenção e Combate à Criminalidade Económica e Financeira no sentido preconizado pela Convenção das Nações Unidas contra a corrupção.»

33. Notou-se portanto que para o PCP o combate à corrupção era uma bandeira de marca, apesar de – mero pormenor – transparecer que os comunistas se pautavam pelo enfoque no enriquecimento injustificado associado ao exercício de cargos públicos. Fica-se com a ideia de que não seriam reprováveis outras formas de enriquecimento ilícito (desligadas do exercício de cargos políticos), em especial gerado por via da fraude fiscal – a guerra à fraude fiscal foi aliás uma matéria que surpreendentemente não constava do Programa.

34. O BE foi o outro partido que, de maneira não loquaz e bastante direta, se atreveu a olhar de frente para a corrupção. Para si (e para o PCP) corrupção e favorecimento andavam a par. Depois duma referência (impraticável, atendendo às consequências para o País) de que «devem ser rompidos os contratos [militares] manchados por corrupção ou incumprimento de contrapartidas»[– alusão implícita aos submarinos –], entrou no cerne da questão. E entrou com a humildade de sublinhar que a ideia descende dum adversário socialista. Para os bloquistas, para efeitos do combate à corrupção devia recuperar-se «a proposta de lei de João Cravinho que criminaliza o enriquecimento ilícito».

35. Ademais, o BE «compromete-se com um quadro legal favorável à investigação dos crimes de colarinho branco com cruzamento sistemático de dados e o fim do segredo bancário.» Intenções concretas e bem direcionadas, sem hesitação. O partido focou-se na essência: o enriquecimento injustificado, independentemente da origem. Abordagem apurada. De facto, como tal enriquecimento é alimentado por vários afluentes – um dos quais o da corrupção –, se na foz do rio principal se apertar a malha, então a corrupção acabará mais cedo ou mais tarde por ser detetada e apanhada quando tentar desaguar no mar, mesmo que provenha de muito longe e esteja disfarçada há muito tempo.

36. Para o combate à corrupção, o CDS não era carne nem peixe. Com postura titubeante, o objetivo era tão vago como inócuas ou pelo menos indefinidas (embora não descabidas) eram as medidas traçadas. «O combate à corrupção passa por garantir os meios humanos e materiais que assegurem uma investigação criminal capaz.» Comunicou que para além do «reforço de meios o CDS proporá: o aperfeiçoamento da figura legal do crime urbanístico (…); uma maior transparência dos contratos públicos outorgados em nome do Estado (...), através da sua publicitação integral dos contratos e respectivos aditamentos no Portal da Transparência; [e] a proibição do exercício de funções de autarcas condenados na Justiça (…).» Até com tais recomendações light, o partido que passou a integrar (irrevogavelmente) a coligação governamental não lutou pela concretização das mesmas.

37. O PSD tinha uma visão distorcida – ou redutora, no mínimo – da corrupção, porquanto para si parecia não existir enriquecimento ilícito, o que é grave para uma organização política que aspirava a ser governo, como veio a acontecer, por exprimir nefandamente ou desconhecimento, ou alheamento, ou branqueamento da realidade. Os sociais-democratas misturavam indiferenciadamente a corrupção e a informalidade económica. No âmbito do reforço do combate à corrupção e da redução da economia informal, propunham-se desenvolver uma série de «eixos de acção», indicados no parágrafo seguinte. Como se pode observar, são eixos que, em suma, agregam uma mescla de medidas algo concretas com intenções assaz ocas.

38. O partido que em 2011 veio a ganhar nas urnas – se cumpriu, ignorou ou violou o que prometera, neste momento não releva para o caso – manifestou as propostas agora transcritas. «Racionalizar a regulamentação fiscal (…), em particular simplificando o regime fiscal aplicado às micro e pequenas empresas; Aperfeiçoar auditorias às empresas (...), alargando e integrando fontes de informação e automatizando procedimentos; Reforçar as sanções por não cumprimento de regras legais e regulamentares; Reforçar a capacidade do Estado para controlar a evasão fiscal e aumentar a celeridade da sua intervenção (…); Assegurar que as regras existentes não discriminam os agentes económicos, de modo a promover tanto a eficiência como a justiça nas relações económicas; Assegurar que o Estado (…) respeita e promove as regras transparentes e não discriminatórias de mercado (…)»; e, como derradeiro compromisso, «(…) reforçar a capacidade do Estado para fazer cumprir as regras estabelecidas, de forma a penalizar de forma substantiva e célere os agentes incumpridores (…).»

39. O PS conseguiu ser de longe o pior, encarando de soslaio o problema. O Programa previa esta hilariante passagem: «O combate à criminalidade económico-financeira e à corrupção permanecerá no centro das políticas. Por iniciativa do PS, Portugal dispõe, como vários outros países europeus, de um Conselho de Prevenção da Corrupção.» Para completar o vazio de sugestões, o partido adiantou que continuaria «a apoiar o trabalho deste Conselho», e que assumiria «o combate à corrupção na sua dupla vertente: a prevenção, designadamente na administração pública e nas empresas públicas, e a repressão, através do reforço dos meios que lhe seja necessário afectar.» Para além de esses processos de «prevenção» e «repressão» revelarem esclerose múltipla de (carência de) ideias, descobre-se nas entrelinhas uma clamorosa e agonizante falta de coragem para enfrentar a doença da corrupção.

40. Portanto, exclusivamente o PCP e o BE transpiravam probidade para debelar a chaga da corrupção. Mal da democracia em que tal ocorre. O mal não provém de serem os partidos da esquerda – ou mais à esquerda, para não melindrar suscetibilidades – que pretendem atacar efetivamente o suborno, mas antes de os restantes partidos, como que na sequência duma sombria socapa, não exporem a consciência firme de mudar o statu quo sem pestanejar. Não é de afastar a ideia de a inexistência desta consciência decorrer da circunstância de os três partidos afastados do combate à corrupção terem vindo, isoladamente ou a pares, a governar Portugal nas décadas recentes. Pura hipótese de cleptocracia que, se ainda não juridicamente homologada, pelo menos em termos empíricos jamais será refutada.

D.3. Algumas áreas de curiosa convergência partidária

Violação do segredo de justiça

41. Um dos fatores que tem contribuído para o descrédito ignóbil do sistema jurídico, e especialmente em matéria criminal, reside sem dúvida nas constantes fugas de informação devido à violação do segredo de justiça. Ante uma matéria tão nevrálgica para o funcionamento de qualquer regime judicial, três partidos – PS, CDS e BE – pautavam-se pelo silêncio atroz, i.e., a violação em causa não era minimamente digna de ser incluída nos respetivos Programas.


42. O PSD propunha encetar uma «Punição dissuasora, através de coimas proporcionais às ofensas, de quem viola o segredo de justiça, independentemente da forma como obteve a informação divulgada». De 2011 até ao momento não consta que tenha havido o mínimo de ímpeto para dar ares da sua graça. Provavelmente – e estranhamente – o problema residirá na extrema e inultrapassável dificuldade de definir as tais coimas proporcionais às ofensas.

43. Por seu turno, o PCP invocava só que era necessário «corrigir as opções tomadas pelo PS em matéria de segredo de justiça, que prejudicam seriamente a investigação dos crimes de maior complexidade». Ou seja, a sua proposta – a de «corrigir as opções tomadas pelo PS» – consiste em remeter para o contrário do que outro partido decidiu, como se isso fosse suficiente ou útil para esclarecer os eleitores. Proposta deveras ínfima para quem estava munido de ideias precisas contra a corrupção, como se explicou e fundamentou na subsecção anterior.

Revisão da lei eleitoral

44. O CDS e o BE nem sequer se pronunciaram. O PCP manifestou-se, sem hesitação, frontalmente «contra os projectos de revisão das leis eleitorais que, visando o favorecimento da bipolarização e da diminuição da pluralidade, designadamente os que se propõem reduzir ainda mais o grau de proporcionalidade do sistema eleitoral para a Assembleia da República, seja através da redução do número de deputados, seja através da criação de círculos uninominais ou da redução e manipulação da dimensão dos círculos existentes.»

45. Para o PCP, encurtar o número de deputados é sinónimo de solidificar a bipolarização, porventura por si entendida como uma forma de despotismo democrático. O partido ignorava que, na verdade, se o número de deputados for proporcional ao resultado da votação global – o que corresponde a acabar com os atuais círculos eleitorais e mudar para a regra da proporcionalidade –, garantir-se-á a plena pluralidade; 10% de votos a nível nacional traduzir-se-ão necessariamente em 10% dos deputados à Assembleia da República.

46. Ao invés, o PS reafirmou «a sua vontade de promover uma alteração das leis eleitorais para a Assembleia da República». Para os socialistas, «uma tal legislação exige um entendimento interpartidário» e, por eles, estavam – como sempre estiveram, conforme expresso no Programa Completo – disponíveis «para a construção de um consenso», desde que assegurado o «respeito pelos princípios» que julgam ser fulcrais. Não obstante, e como seria de esperar, o partido não apresentou ações específicas. Demagogia genuína, ao nível da perpetrada pelas demais organizações partidárias (não somente em relação à revisão da lei eleitoral).

47. Em contraste, os sociais-democratas revelaram alguns vetores de orientação. «No plano da reforma do sistema político, o PSD considera importante consagrar» duas medidas principais. «Em primeiro lugar, a reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República.» Preconizava «a introdução de mecanismos de personalização das escolhas pela via do voto preferencial opcional, mecanismos esses que requerem a reconfiguração dos círculos eleitorais, de modo a combinar a existência de um círculo nacional com círculos locais menores, onde o eleitor tem um voto nominal escolhendo o seu candidato preferido, além da escolha do partido da sua preferência. A reforma manterá, essencialmente, o sistema de representação proporcional que vigora hoje, mas abre espaço à correcção de um dos aspectos em que o seu desempenho tem sido menos eficaz: a aproximação de eleitores e eleitos.»
48. Em segundo lugar, «A redução, para 181, do número de Deputados da Assembleia da República», o que permitia não só «Dar execução à revisão constitucional de 1997, a qual, ao fim de todos estes anos, continua por concretizar», assim como «Tornar o Parlamento mais operacional e eficaz.» Em suma: mais um aglomerado de balelas de amnésia sistemática. Que bem prega frei Tomás.

Governos civis e orçamento de base zero

49. Governos civis e orçamento de base zero são duas áreas onde se verificava uma invulgar e quase inédita convergência partidária do PSD, do CDS e do BE. O PS e o PCP nada referiram sobre as mesmas. Os três primeiros propunham (ou admitiam) extinguir os governos civis. No Programa do PSD fundamentava-se essa extinção por os governos civis serem «estruturas completamente anquilosadas, sem sentido e sem justificação.» Vazio de realização, como se antevia, atenta a urdidura entre os governos civis e os partidos do poder.

50. Para o CDS, «Num novo mapa politico‐administrativo, os Governos Civis podem ser extintos, devendo ser cuidadosamente redistribuídas as suas competências. Esta reforma deve fazer parte da revisão constitucional focada que o CDS defenderá.» (Mal dum país que necessita da revisão constitucional para proceder a uma singela alteração do mapa administrativo – e nada a acrescentar acerca duma organização política que tem tal perspetiva.) Por fim, o BE propunha-se eliminar os governos civis, «transferindo as suas funções para as autarquias e para o Estado».

51. Quanto ao tema do orçamento de base zero – medida constante também dos Programas do PSD, do CDS e do BE –, importa realçar que pouco após as legislativas de 2011 foi publicado o diploma que materializou a iniciativa. Tratou-se da Lei nº 52/2011, de 13 de outubro. O embrião desta Lei brotou dum projeto do BE, aprovado em Sessão Plenária de 29/10/2010. O projeto reuniu os votos favoráveis apenas do PSD – que então estava na oposição – e do Partido Ecologista “Os Verdes”, tendo havido a abstenção do CDS e do PCP e os votos contra do PS. Propositadamente não teço comentários ao resultado da votação.

52. Parece contudo que até à data a supramencionada Lei ainda não foi levada a sério. Percebe-se parcialmente que assim seja, pois tamanha «revolução orçamental» – expressão oportuna usada pelo BE no seu Programa – não pode dissociar-se das funções do Estado. Como o próprio BE escreveu, um orçamento desse género significa que «a estrutura da despesa deve reflectir as prioridades futuras do Estado, e não as tendências que vêm do passado», o que implica «um grande debate nacional sobre a reforma e as funções do Estado e o tipo de orçamento que o deve suportar.» O debate tarda em arrancar. Exemplo repetido de que o que é bom para Portugal costuma conservar-se nas calendas gregas e ser preterido pelas intrigas palacianas e saturninas parlamentares.

53. A propósito de tal debate sobre a reforma e as funções do Estado (e dos demais que são primaciais para a Nação), seria conveniente que a Constituição da República Portuguesa ousasse prever a obrigação de os partidos, aquando da apresentação dum pacote de propostas concretas, fundamentarem-nas sob o ponto de vista técnico e acompanharem-nas com a adequada sustentação financeira. A identificação das matérias em que seria imprescindível o suporte técnico-financeiro ficaria a cargo do mesmo organismo público a quem caberia a responsabilidade de regular e monitorizar os PES – vide parte final do parágrafo 15. Eis mais uma acha – para além dos PES – para o sonho da modernização da democracia, que poderá passar a realidade se o eleitorado for minimamente exigente, ou melhor, maduro e adepto da verdade.

De poucos à multidão

De poucos à multidão (18/02/2015)


No verão de 2012, na sequência do despedimento dalguns operários duma fábrica grega, a coesão dos colegas manifestou-se de forma uníssona: greve de todos os trabalhadores. A acesa reação hormonal tinha um senão: havia bocas para alimentar e compromissos para gerir em nome da subsistência. Nada que uma imediata resposta impetuosa dos colegas doutras fábricas não resolvesse. Pensamento de sublime elevação. A vida – ainda mais em tempo de crise profunda e desesperante – é uma roleta, e a desdita pode calhar a qualquer um.


     Aos operários despedidos

     Nada vale a explicação
     Os demais todos unidos
     Foi a greve a solução

     Com despesas para pagar
     Elevaram-se os sentidos
     Houve os braços que juntar
     Aos operários despedidos

     De poucos a muitos dói
     Dos muitos à multidão
     Coragem dum povo herói
     Nada vale a explicação

     Uma fábrica parada
     Logo apoios dirigidos
     Uns em luta afirmada
     Os demais todos unidos

     «Hoje és tu; eu amanhã»
     Força helénica em ação
     Voz olímpica e sã
     Foi a greve a solução


Se foi assim na Grécia – de poucos à multidão, entre o pecado e a honra – em 2012, não se espera que agora a unidade popular seja substancialmente diferente… para o bem e para o mal. Não se trata duma questão racional; é antes hormonal. No mundo terreno importa o apoio da razão; mas quando se entra no submundo nada há a perder, porquanto qualquer (in)existência de razão será transformada em matéria esquecida e irreconhecível.

Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte I/III)

Ou abstenção crescente ou prospetos eleitorais simplificados (parte I/III) (12/02/2015)


[Desta vez vai do fim para o princípio, com a convicção de que não surtirá pior resultado.]


D.4. Comparação dos prospetos eleitorais simplificados

54. Conforme [será] realçado no ponto 12 da secção B, os programas ou manifestos eleitorais – doravante simplesmente Programa(s) ou Programa(s) Completo(s) – pautam-se pela omissão quer dos custos financeiros das medidas recomendadas, quer das consequências colaterais negativas intrínsecas às mesmas, pelo que essas duas matérias deveriam incluir-se nos prospetos eleitorais simplificados (PES). É devido à omissão de tal informação que os quadros abaixo apresentados se cingem aos objetivos principais (das medidas sugeridas) que constariam dos PES e às formas concretas de os atingir (ou seja, às medidas propostas em si).

55. Em rigor, a informação atinente aos objetivos principais das medidas sugeridas somente é aplicável à corrupção, por nos restantes temas os objetivos principais estarem inequívoca e intimamente associados aos próprios temas. Cabe ao (e)leitor examinar o conteúdo das subsecções D.2 e D.3, bem como os elementos dos quadros seguintes, e aferir a utilidade que os cidadãos podem retirar dos Programas Completos e dos PES. [A subsecção D.1 enquadra a escolha dos temas e dos partidos considerados nos quadros].

(Peço desde já desculpa pela deficiente apresentação dos quadros.)













E. Notas finais [ou antes semipreliminares, dada a apresentação invertida]


56. Retomando o anterior ponto 55, basta comparar a subsecção D.4 – resultante da compilação do que seriam os PES expurgados da verborreia político-partidária e construídos por um organismo público – e as subsecções D.2 e D.3 – decorrentes dos Programas Completos propriamente ditos – para comprovar o que é útil para os cidadãos e para a democracia nacionais, independentemente do que os partidos julgam benéfico para si. Não se pretende que os processos eleitorais sejam asséticos e estejam inseridos numa redoma; apenas se espera que reflitam dignidade, nobre palavra que o gentio carrega com carinho no léxico mas que paradoxalmente pouco acarinha.

57. Distante está do meu pensamento insinuar que a nossa classe política é composta por um antro de personagens obscuras, desde logo porque ela é a fiel imagem do povo, imagem que me apodaria – se a insinuação estivesse presente – de semelhante qualificativo não lisonjeiro. Contudo, como é sobejamente conhecido, e do mesmo modo que o pouco vinagre azeda o muito vinho, os pequenos vícios deformam as grandes virtudes, razão por que se torna imperativo refletir para a mudança.

58. Nos momentos de sufrágio, designadamente nas eleições legislativas, os portugueses exigem – ou antes: deveriam exigir – o conhecimento de medidas efetivas, objetivas e concisas sobre dívida do Estado e défice orçamental, as duas principais variáveis à volta das quais a vida dos cidadãos acaba inexoravelmente por orbitar. Apesar de não serem especialistas em finanças públicas, os indivíduos suspiram por saber qual o custo das opções tomadas, seja para as gerações atuais ou para as vindouras.

59. O mesmo sucede com a saúde e a segurança social, com a pobreza e a distribuição do rendimento, com a fiscalidade e os incentivos ao investimento; enfim: com todas as promessas constantes dos Programas. O eleitorado precisa de elementos sistematizados relativamente ao maior número de áreas possível. Não almeja por ler e ouvir palavras bonitas que o adormeça; anseia unicamente confirmar os dois lados da verdade e conviver em harmonia com a ditosa Liverdade, senão o futuro ficará preso a uma lázara expectativa.

60. Aos políticos espera-se mais do que pedir o voto aos sequazes eleitores, do milionário ao mendigo. Qualquer político, do decano ao noviço, tem a obrigação perante a população de fazer uma prova com a Liverdade. Se não a fizer, por muitas competências técnicas e emocionais que disponha, é incompetente para o exercício das funções políticas, ou seja, para decidir em nome dos cidadãos. Mas para tanto é forçoso que estes estejam minimamente cientes do rumo a seguir; é impreterível que, em vez de estimarem a traiçoeira ilusão do mundo quadridimensional, estimem a límpida verdade do espaço tridimensional.

61. Não nos inebriemos com os PES crendo que são um seguro para a votação esclarecida e a panaceia para os problemas de comunicação entre os partidos e os cidadãos. É óbvio que, até com informação (e não propaganda) resumida e organizada, a esmagadora maioria das pessoas não a lerá. Ainda assim, será deveras mais provável prender a curiosidade dos eleitores com os PES, simples e diretos, do que com os Programas Completos, pejados de mensagens opacas. Se, para analisar os PES e confrontá-los, um indivíduo atento necessita de pelo menos uma semana, no caso dos Programas requer-se no mínimo um ano, nem que seja para separar a fantasia da veracidade. De qualquer forma, cumpre anotar que para quem tem pensamento impermeável à lógica é indiferente uma semana ou um ano, um dia ou uma década.

62. Os Programas Completos, completos de ornato, apresentados aos cidadãos têm vindo recheados de propaganda ao invés de informação. Para além disso, não me recordo ter havido sufrágios em que os comentadores políticos com direito de antena nos órgãos de comunicação social – sejam luzeiros politólogos, analistas ou jornalistas, residentes ou convidados, filhos ou pais duma putativa independência de juízos – tenham escalpelizado os Programas por grandes temas e transmitido ao eleitorado as conclusões obtidas.

63. Vicissitudes que têm impelido a opinião pública a especializar-se numa multidão de figurantes desvalidos – mas livres –, que só servem para engrossar os algarismos das votações ou das abstenções. Os argumentos atrás evidenciados são portanto o suficiente para comprovar que a elaboração dos PES constituiria um serviço público de enorme utilidade, conduzindo as pessoas a deslocarem-se da ficção para a realidade, por pouco promissora que esta última seja.

64. Isolando a questão fundamental de comparar as promessas resplandecentes com a concretização das mesmas – seriam outras contas, dum rosário infinito –, e abstraindo a decisão de saber a que tipo de sufrágios os PES se devem aplicar, os cidadãos sentir-se-ão mais respeitados e participarão mais regularmente nos plebiscitos se tiverem acesso a elementos claros e precisos. Encontrar-se-ia muito mais próxima do fim a repetição contínua da má prática, daquela em que, para os partidos se eximirem do dever político de prestar informação escorreita aos eleitores, tiram da cartola Programas onde fervilha a desinformação, dificilmente levada a sério pelos indivíduos quem têm uma gota de espírito crítico.

65. Assim sendo, os PES serão o arrebol da nova etapa da nossa democracia, por revestirem seguramente um fator determinante de combate à abstenção. Logo, no atual estádio democrático de idade madura, aos agentes políticos compete uma coragem herculeamente modesta: ou continuam maniatados dos seus interesses (ainda que legitimados por decisões democráticas), e do autismo resulta a abstenção crescente; ou passam a ser transigentes com o silêncio do eleitorado votado à sua sorte, e daí apenas resta contribuírem para o impulso dos PES.

Fresbook e não Facebook do FRES

Fresbook e não Facebook do FRES   (25/04/2020) O FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social sempre foi um Grupo plural para o lado...